Atenção ao TPI é fundamental para o futuro da proteção do patrimônio cultural em conflitos armados

Coluna “Prática Penal Internacional”

É uma alegria enorme ser convidado para tecer comentários ao texto de estreia da coluna “Prática Penal Internacional”, intitulado “O TPI e a Proteção do Patrimônio Cultural em Conflitos Armados: Desenvolvimentos Jurisprudenciais Disruptivos” e de autoria do Bruno Biazatti, grande pesquisador e meu amigo dos tempos de moot court. De imediato, quero parabenizar o meu colega pela qualidade do texto e pela profundidade trazida em alguns pontos. Meus comentários serão abordados em duas óticas, a primeira será na ótica bibliográfica e a outra versará sobre algumas perspectivas.

As referências bibliográficas indicadas no texto são de excelência. Como a maioria delas é em língua inglesa, tenho recomendações bibliográficas publicadas no Brasil a quem tiver dificuldade com esse idioma estrangeiro. Para quem tiver interesse no Caso Ahmad Al Faqi Al Mahdi, recomendo o livro publicado pelo Prof. Luís Canjongo Januário chamado “Direito Internacional do Patrimônio Cultural: o caso Ahmad Al Faqi Al Mahdi” (Belo Horizonte: Editora Arraes, 2022). 

A quem tiver interesse em começar a estudar temas de Direito Internacional do Patrimônio Cultural, tenho duas indicações bibliográficas. A primeira é o livro “Direito Internacional do Patrimônio Cultural: o tráfico ilícito de bens culturais” (Fortaleza: Ibdcult, 2018), de autoria da Profª Anauene Soares. A segunda recomendação é o livro do Prof. Pedro de Paula Lopes Almeida chamado “A Proteção Jurídica do Patrimônio Cultural em Face dos Conflitos Armados Contemporâneos” (Belo Horizonte: Editora Dialética, 2020). Feitas essas recomendações bibliográficas, passarei a comentar as perspectivas acerca do tema abordado no texto.

Sobre o Caso Al Mahdi, importante atualizar que, em novembro de 2021, a Câmara de Apelação do Tribunal Penal Internacional (TPI) reduziu a pena de prisão em 2 anos, devendo ele cumprir esta sanção até o dia 18 de setembro de 2022. De acordo com as notícias, no presente momento, ele já está liberado pelo TPI da pena de prisão.Isso não significa que Al Mahdi está completamente livre de fazer reparações, pois, em 17 de agosto de 2017, uma das Câmaras de Julgamento do TPI emitiu uma ordem de reparação em que ele foi condenado a pagar o valor de 2,7 milhões de euros em despesas com reparações individuais e coletivas para a comunidade de Tombuctu. Cabe ressaltar que Al Mahdi foi considerado em situação econômica equivalente à indigência, de maneira que a Câmara de Julgamento incentivou o Fundo Fiduciário para as Vítimas (TFV, em inglês) a complementar o prêmio de reparações bem como a apresentar um projeto de plano de implementação. [1]

UNESCO, TFV e outras organizações apresentaram, em julho de 2022, um projeto de implementação das reparações que Ahmad Al Faqi deve cumprir, porém ainda não houve manifestação por parte do TPI acerca desse ponto. 

Vê-se, então, um vazio de perspectiva quanto à possibilidade de pleno cumprimento da reparação pecuniária ordenada pelo TPI tanto pela condição econômica do condenado como em decorrência falta de manifestação do Tribunal sobre esse assunto até o presente momento.

Para futuros casos envolvendo destruição de bens culturais em situação de conflito armado, o Caso Ahmad Al Faqi será, com certeza, uma das principais referências jurisprudenciais. Além de ser o primeiro caso do TPI sobre proteção do patrimônio cultural, é o primeiro em que o artigo 65 do Estatuto de Roma (procedimento em caso de admissão de culpa) foi aplicado. [2]

O Tribunal Penal para a Antiga Iugoslávia também contribuiu com o tema ao julgar casos como Pavle Strugar e Tihomir Blaškić, igualmente importantes marcos da jurisprudência sobre destruição de bens culturais em conflitos armados. Se o TPI for feliz no cumprimento da plena reparação estabelecida no Caso Ahmad Al Faqi, este fato será uma forte referência para os trabalhos no Caso Al Hassan, bem como nas investigações em andamento sobre a situação na Ucrânia. Destruição de bens culturais em conflitos armados não é um tema frequente nos tribunais internacionais em comparação com outros tópicos, mas há, no presente momento, litígios em trâmite sobre o assunto. Na Corte Internacional de Justiça há o Caso Armênia v. Azerbaijão, com decisão em sede medida provisória emitida em dezembro de 2021; no TPI, os casos expostos no texto do Bruno. Aguardemos os próximos passos dessas instituições.

REFERÊNCIAS

[1] JANUÁRIO, Luís C. Direito internacional do patrimônio cultural: o caso Ahmad Al Faqi. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021, p. 152.

[2] JANUÁRIO, Luís C. Direito internacional do patrimônio cultural: o caso Ahmad Al Faqi. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021, p. 138.

  • Ivonei Souza Trindade é advogado inscrito na OAB/RS. Professor de Direito Internacional dos Direitos Humanos no A PARI MUN- Instituto de Investigación y Debate en Derecho (Nuevo Chimbote, Peru)

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