Francesco Francioni: Alla prossima, maestro

No dia 02 de fevereiro de 2024 faleceu o Professor Francesco Francioni, um gigante em vários campos especializados do Direito Internacional. Tive o privilégio de ser um dos seus orientandos, e por isso escrevo esse post para prestar homenagem a um grande intelectual, professor, e humanista.

Quando o conheci, Francesco Francioni era Professor de Direito Internacional no Instituto Universitário Europeu, em Florença. Ele era também editor-chefe do Italian Yearbook of International Law (responsável pela revitalização da publicação, e posição que ocupou por mais de quinze anos) membro do Institut de Droit International, e havia ocupado muitas posições importantes na academia e prática do direito internacional, entre elas como consultor jurídico da UNESCO, presidente do Comitê do Patrimônio Mundial, e trabalhava junto ao governo italiano em numerosos casos e projetos de Direito Internacional em múltiplas áreas.

O que me atraiu a trabalhar com Francesco Francioni foi a sua experiência em Direito Internacional do Patrimônio Cultural, campo no qual escrevi meu doutorado, e ao qual me dedico bastante ainda hoje. Mas ele também especializava-se em numerosos campos especializados de Direito Internacional, como Direito Ambiental Internacional, Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Internacional Humanitário, Direito Internacional e Bioética, entre outros. A cada um desses campos ele contribuiu de forma importante e distinta.

Comum a todas essas contribuições e interesses eram duas ideias: a de um Direito Internacional mais humano; e conectar campos distintos às suas contribuições para o Direito Internacional em geral. Essas duas vertentes, uma de integração epistemológica, e outra de reorientação ontológica, davam alento ao seu trabalho, à sua postura intelectual, e ao que trazia para os seus alunos, orientandos, e colegas.

Aprendi muito com ele, como pensador, como professor, e como ser humano. Como pensador, aprendi que nenhum problema é um sistema fechado, que o Direito só importa no mundo se ele resolve problemas humanos, e serve interesses humanistas. Aprendi a ler atentamente, a pensar amplamente, a escrever cuidadosamente. Aprendi o valor de narrativa para iluminar pontos analíticos, e para lembrar-nos, sempre, de que a finalidade do estudo jurídico é os sujeitos das narrativas, que nunca devem ser tratados como objetos.

Como professor, aprendi a ser rigoroso e construtivo. Aprendi o valor de criar oportunidades para meus alunos para além da estrita relação de orientação para produção de uma dissertação ou tese. Aprendi a pensar sobre a experiência de sala de aula como uma experiência de um semestre inteiro, e não só de uma sessão. Aprendi a identificar e dar oportunidade para novas vozes ao invés de reforçar um cânon que limita as possibilidades imaginativas do que o Direito pode ser, para quem pode ser, e por quê pode ser.

Como ser humano, aprendi com ele o valor de conexões com outros. Aprendi que a arte e a comida nos conectam mais fundamentalmente que qualquer ideia jurídica, e que cabe ao jurista tentar recriar esse nível de conexão, sem nunca o conseguir, para tentar mudar o mundo. Conectei-me com muitas pessoas através dele, principalmente através do Grupo de Estudos de Direito do Patrimônio Cultural no Instituto Universitário Europeu, que existia porque ele atraiu numerosos pesquisadores interessados nessa área. Quase todas essas pessoas que conheci nesse grupo são ainda colaboradores e amigos próximos, unidos pelo Professor Francioni.

Quando fiquei sabendo da sua morte, enviei mensagens e emails a todos os pesquisadores desse grupo. E todos eles, sem exceção, responderam-me dizendo que havia-se comunicado com o Professor Francioni recentemente, e que cada uma dessas comunicações tinha sido especial. À sua maneira, ele despediu-se de cada um dos seus orientandos com graça, inteligência, respeito, e afeto.

Embora ele deixe um legado intelectual individual tremendo, o seu maior legado é o que ele ensinou a todas as pessoas que tiveram a sorte de cruzarem com ele, e o que essas pessoas estão fazendo no mundo. Um projeto intelectual da grandeza do que nos ensina Francioni é algo que precisa de um gigante à frente, mas que também precisa de um exército dedicado. Perdemos o nosso gigante. Mas ele preparou-nos para continuar vendo longe, e avançando um Direito Internacional mais humano e humanista.

Na última comunicação que tive com ele, ele deixou claro que aquilo de que tinha mais orgulho eram os seus estudantes, e as contribuições desses estudantes ao mundo. O brilho que ele sempre tinha nos olhos continuará guiando-nos, e espero que consigamos estar à altura da missão que ele deu-nos sem que percebamos no momento em que a recebemos, que abraçamos depois, e que seguiremos avançando.

Maestro Francioni, è stato un piacere, ed un onore. Alla prossima.

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