Seabed 2030: a busca pelo mapeamento dos fundos marinhos

O desafio em encontrar os destroços do avião que desapareceu em 2014 enquanto realizava o voo Malaysia Airlines 370 (MH370), deu-se em grande parte, em razão da ausência de mapas dos fundos marinhos no Oceano Índico em alta resolução. Em resposta a esse trágico acidente, em 2017, na Conferência das Nações Unidas para os Oceanos, a Fundação japonesa Nippon e a Carta Batimétrica Geral dos Oceanos (GEBCO) lançaram o Projeto “Seabed 2030 Projeto “Seabed 2030”. O projeto, que está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) e com a Década das Nações Unidas da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), tem uma meta ambiciosa: em 2030 mapear 100% dos fundos marinhos. Tal objetivo será desafiador, considerando o alto custo da produção e análise de dados batimétricos. No entanto, um resultado encorajador demonstra ser possível atingir essameta: entre 2017 e 2019 a cobertura do fundo do mar aumentou de 15% para 19%, o que corresponde a por 14,5 milhões de quilômetros quadrados.

 

A analise do plano de trabalho do projeto Seabed 2030, verifica-se que a região a ser mapeada compreende a Area e as plataformas continentais de Estados costeiros denotando a necessidade de grande cooperacão com organizacoes internacionais e outros Estados. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), 1982,define, em seu artigo 1(1), que a “Área” significa o leito do mar, os fundos marinhos, e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional. Desta forma, os fundos marinhos correspondem à camada mais baixa do oceano, e é constituído por recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos situados no leito do mar e no seu subsolo, e são chamadosde minerais. Esta região encontra-se sob a administração da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, para além da jurisdição dos Estados. Já a plataforma continental corresponde aos fundos marinhos e subsolos que se extendem além do mar territorial constituindo prolongamento natural do território do estado costeiro até o limite da margem continental ou a uma distancia de 200 milhas náuticas (artigo 76(1), CNUDM). Caso o Estado costeiro consiga comprovar à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) que o prolongamento natural do seu territorio vai além dos limites acima expostos, a plataforma continental poderá se extender a 350 milhas náuticas ou a até 100 milhas náuticas da isóbata de 2,500 metros (artigo 76(4)(5)(6), CNUDM).

 

Nenhum país do mundo detém tecnologia e expertise suficiente para alcançar o objetivo do “Seabed 2030”, por outro lado, vários dados batimétricos já foram coletados ou estão sendo produzidos local ou regionalmente de forma fragmentada, sem um mecanismo unificador. Por essa razão, cooperação e colaboração são elementos essenciais do projeto. Nesse sentido, o mesmo será estruturado a partir de quatro sedes regionais: (i) o centro regional do oceano antártico, (ii) o Centro Regional dos Oceanos Atlântico e Índico, (iii) o Centro Regional Ártico e Pacífico Norte, e (iv) Centro Regional do Oceano Pacífico Sul e Oeste. Estes centros são responsáveis por reunir e compilar informações batimétricas já existentes, colaborar com iniciativas regionais de mapeamento em curso, e elaborar novas atividades de mapeamento nas áreas em que não existam dados coletados ainda. Uma sede global, localizada em Southampton, Reino Unido, deverá coordenar os trabalhos gerais e estimular novas iniciativas de mapeamento. Ademais, o “Seabed 2030” também colabora com entidades privadas como o Fugro e o RevOceans.

 

Sobretudo em regiões de águas profundas, a tecnologia utilizada será a ecossonda multifeixe, que se utiliza dos princípios da acústica para detectar corpos na coluna d’água. O projeto propõe que tais sondas possam ser empregadas por diversos meios de coleta de dados, tais como navios de pesquisa, navios comerciais, barcos de recreação, veículos remotamente tripulados (ROVs), etc., indo muito além das estratégias convencionais de coleta de dados científicos.

 

Além de precaver a existência de desaparecimentos de destroços, como no caso do voo MH370, conhecer bem os fundos marinhos e a sua composição facilitará a compreensão dos padrões de circulação oceânica relacionados aos processos oceânicos-atmosféricos regionais e globais, incluindo a regulação da temperatura entre os trópicos e os pólos, o que ajudará na identificacão prévia de tsunamis. Igualmente, dados batimétricos são importante para o estudos de espécies benthônicas e ecossistemas dos fundos oceânicos. Também poderão auxiliar países sem recursos tecnico e científico suficiente na pleito de extensão da plataforma continental junto à CLPC.

 

Igualmente, ao propiciar propiciará dados científicos sobre a biodiversidade marinha, o 2030 Seabed agrega valor científico a outras propostas em andamento, como a de criação de um instrumento vinculante sobre Planejamento Espacial Marinho (PEM) patrocinada pela UNESCO, através da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (IOC,em inglês). A IOC define o PEM como “um processo público de análise e alocação da distribuição espacial e temporal das atividades humanas em áreas marinhas para alcançar objetivos ecológicos, econômicos e sociais que geralmente são especificados por meio de um processo político.” Dentre os benefícios econômicos e políticos, o PEM se propõe a reduzir os conflitos entre usos e entre usos e o ambiente, além de fornecer maior certeza para investimentos de longo prazo decisões (Ehler, 2008). Dessa maneira, o PEM vem a agregar valor aos objetivos do projeto Seabed 2030, uma vez que permitirá alcançar o adequado gerenciamento da biodiversidade marinha em nível locale regional. Através do mapeamento dos fundos marinhos até o ano de 2030 poderá promover a devida proteção das regiões encontradas com baixos níveis de oxigenação, elevadas temperaturas, adotando os padrões de delimitação marítima estabelecidos na Convenção de Montego Bay.

 

No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente, com apoio da UNESCO, promoveu o Seminário Internacional: Planejamento Integrado do Espaço Marinho, em 2014. O evento fomentou a reflexão sobre a ocupação ordenada do espaço costeiro e marinho eo uso sustentável e compartilhado dos seus recursos naturais, e o seu Relatório busca oferecer ao Estado brasileiro formas de implementar, dentro do território nacional, um Planejamento Integrado do Espaço Marinho, com participação transetorial – Marina, sociedade civil e o terceiro setor. Nesse contexto, o mapeamento do subsolo na região terá um papel crucial na definição de políticas públicas a serem tomadas no que tange àproteção dos recursos marinhos em território nacional.

 

A promoção de projetos científicos baseados na cooperação científica internacional, como o Seabed 2030, terá a capacidade de melhorar o diálogo acerca da necessidade de preservação do seu habitat natural, através do conhecimento mais apurado da comunidade científica. Com as mudanças cada vez mais expressivas em seu habitat devido ao aquecimento global, certamente o conhecimento que poderemos alcançar, hoje, em escala e volume dos fundos marinhos será utilizado pelas gerações futuras como forma de aprendizado.

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