Resultados preliminares

A seguir, serão apresentados dados que compõem a coleta de informações extraídas dos dez manuais em análise. Os resultados apresentados são uma média do que pôde ser encontrado até agora no processo de coleta dentre as obras, de modo que eles compõem uma generalização, ainda que reflitam as proporções encontradas nos manuais. Em um primeiro momento, quando analisados os temas abordados pelos manuais, foi contabilizada a incidência de determinados eixos teóricos nos manuais. Posteriormente, foi realizada uma proporção geral dos dados coletados em todos os manuais, a partir das médias encontradas em cada manual; ou seja, contabilizaram-se as quantidades de casos, fontes e autores em cada manual, e, com esses dados transformados em porcentagem, comparou-se as obras. Importa referir que se utilizou da percentagem para possibilitar uma análise comparativa entre os manuais em estudo.

A partir disso, inicialmente, buscou-se compreender quais são os principais temas abordados nos dez manuais analisados. Posteriormente, analisou-se a utilização de casos, fontes e outros autores para explicar as matérias de Direito Internacional Público no Brasil, com o fito de visualizar qual é o perfil que os manuais brasileiros de DIP seguem. Nesse sentido, comparou-se, por exemplo, a forma de apresentação de casos e de fontes, o que permite identificar as influências que os manuais recebem das tradições do civil e common law, e, somado a isso, contrasta-se com a nacionalidade dos autores mencionados nas obras, permitindo a sistematização de influências estrangeiras ou nacionais nos livros.

Para o estudo dos temas abordados nos manuais, foi elaborado o seguinte gráfico:

PRINCIPAIS TEMAS ABORDADOS

A partir da análise do gráfico, é possível inferir que o tema menos recorrente nos manuais é “direito internacional econômico”, que apareceu em apenas três, seguido por “direito internacional penal”, que apareceu em cinco manuais. De outra banda, os temas abordados com maior recorrência nos manuais são: “sujeitos do direito internacional”, “responsabilidade internacional”, “solução de controvérsias”, “território” e “direito internacional humanitário”, todos presentes em nove obras.

E, mesmo sendo esses os temas de maior popularidade, presentes em nove dos dez manuais estudados, é importante observar que nenhum tema foi abordado pelos dez manuais (tendo 100% de aparição nas obras estudadas). Isso denota que não há, na academia brasileira, um consenso estabelecido acerca dos temas que são imprescindíveis para o estudo do direito internacional, especialmente porque nem mesmo as temáticas de caráter introdutório apareceram em 100% dos manuais.

Destaque-se, ainda, que embora não haja uma temática com 100% de incidência, como ressaltado, os temas de maior popularidade nos manuais possuem caráter introdutório ao estudo do direito internacional, como é o caso da identificação dos sujeitos e da responsabilidade internacional, bem como o próprio território, que foram mencionados em nove de dez manuais. Ao passo que os temas mais específicos, tais como o direito do mar, o uso da força, o direito internacional ambiental e a própria história do direito internacional foram abordados somente em cerca de metade das obras.

Em que pese não se possa olvidar que os temas de caráter mais universalista estejam presentes na maior parte dos manuais, os critérios para a seleção das demais temáticas parecem variar, em alguns casos, de acordo com a experiência profissional dos autores. Em outros, as temáticas elencadas demonstram guardam estreita relação com a formação acadêmica do autor. No entanto, há casos em que, embora o autor possua certa especialização acadêmica, seu tema de estudo sequer é abordado no manual. Com base nisso, não é possível verificar uma relação geral para afirmar que os temas abordados nos manuais brasileiros de direito internacional dizem respeito às temáticas de interesse acadêmico ou profissional dos autores.

TIPOS DE CASOS

De início, analisa-se a forma como os autores apresentam os casos em seus manuais. Aqui, é possível verificar que a esmagadora maioria dos casos citados versa sobre litígios internacionais. Mais precisamente, 81,29% dos casos identificados são internacionais; 13,67% são domésticos; e apenas 5,04% são casos domésticos estrangeiros.

E, muito embora os casos sejam fundamentais para a evolução do Direito Internacional, os manuais brasileiros parecem ter alguma dificuldade em sua abordagem. Isso pode ser reflexo de o Brasil ter por sistema jurídico o civil law, que não dá ao estudo da casuística tanta relevância quanto os países de common law. No entanto, essa característica não deixa de ser curiosa, especialmente quando se considera que grande parte dos autores em estudo eram/são magistrados, ministros ou advogados e, portanto, se dedicaram/dedicam ao estudo, acompanhamento e desenvolvimento cotidiano de casos em suas respectivas profissões.

TIPOS DE CONVENÇÕES E TRATADOS

De mesmo modo, a fim de continuar analisando a forma de como o direito internacional público é concebido no Brasil – país que segue tradicionalmente o sistema romano-germânico – esta parte da pesquisa busca coletar informações acerca de convenções e tratados.

A partir do gráfico, foi possível realizar algumas inferências acerca da forma como os dispositivos internacionais são usados nos manuais. Um dos objetivos desta pesquisa é visualizar se os autores brasileiros preferem trabalhar o direito internacional a partir de perspectivas “universais” ou “regionais”. Com base nos dados, nota-se que os autores preferiram explicar a matéria com o suporte de fontes universais, tendo em vista que o somatório de tratados e convenções regionais é baixo quando comparado às fontes universais. As fontes mais citadas, na maioria dos manuais, foram a Carta das Nações Unidas e a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Nesse sentido, isso demonstra a preferência dos autores por fontes que são amplamente consolidadas e reconhecidas na comunidade internacional.

Ademais, outra ótica de análise da pesquisa é em relação ao multilateralismo vs. bilateralismo, como observa-se do gráfico, os autores preferem as fontes multilaterais. Esse fato pode ser explicado, pois as fontes multilaterais demonstram um maior consenso entre os atores do direito internacional sobre determinado tópico. Somado a isso, também pode ser explicado pelo fato que os tratados bilaterais não são tão importantes para a comunidade internacional, visto que englobam poucos atores. Nesse sentido, entende-se, que nos manuais há uma preferência por fontes universais e multilaterais, em face à consolidação dessas. Por fim, nota-se que os autores seguem o que se espera de juristas do sistema romano-germânico ao utilizarem um elevado número de tratados internacionais para explicar a matéria, em contraposição a uma menor utilização de casos para esse mesmo fim.

INCIDÊNCIA DE CITAÇÕES POR NAÇÃO

* Somatória das nacionalidades que não obtiveram valor superior a 2% das citações totais, não separado por continentes.

Ao analisar a somatória das dez obras selecionadas, no que diz respeito às nacionalidades citadas, vê-se uma forte preferência por autores europeus. Além disso, quando a atenção é voltada para os números, pode-se notar que os autores brasileiros são menos citados proporcionalmente que autores de origem francesa.

Os dois dados acima permitem questionar e levantar hipóteses sobre quais são as causas para resultados um tanto “eurocêntricos”. De um lado, é possível destacar a própria formação dos autores, que recorrem aos centros de formação europeus em busca dos seus prestigiados programas de pós-graduação. Estando lá, são expostos a doutrinas majoritariamente elaboradas com base na realidade do continente europeu, o que consequentemente impacta nas suas formações e compreensões sobre o que é o Direito Internacional e como ele se manifesta, sendo a escolha por autores europeus uma consequência impressa nos seus trabalhos.

Outra possibilidade seria o reconhecimento da diferenciação entre países produtores de direito internacional e outros meramente reprodutores, com o Brasil se encaixando nesta segunda classificação, fadado a se adequar a padrões de aceitação internacionais – o que alimentaria ainda mais a primeira hipótese. Tal tese surge como uma opção plausível sobre a razão pela qual os países latino-americanos ou outros países integrantes da iniciativa TWAIL possuem pouca representatividade nas citações, pois são frutos de processos correlatos do processo colonialista que o Brasil sofreu e sofre até os dias atuais em relação à importação de conhecimento.

Virando a atenção para a proporção de autores brasileiros, únicos representantes do Sul-Global com incidência substancial de citações entre as obras analisadas, é possível destacar a adaptação do direito internacional para o Brasil. Aqui, pode-se discutir, especialmente em algumas obras, se a opção por autores nacionais ocorre em razão da finalidade do manual: enquanto Projeto de Direito Internacional, visando desenvolver a visão do(s) autores e suas particulares visões sobre o sistema, oportunizando, eventualmente, um espaço fértil para a disseminação de autores brasileiros, ou enquanto Instrumento, visando orientar estudantes voltados para a prática empregada em foros brasileiros ou até mesmo para a consulta em estudos para concursos, um fenômeno que toma grandes proporções quando tratamos da máquina pública brasileira e das aspirações dos estudantes, algo que não pode passar despercebido quando equacionamos a comercialização do ensino superior no Brasil. Para além disso, cabe questionar, também, se os autores brasileiros citados não são, em maior ou menor grau, propagadores de doutrinas europeias, o que reforçaria a tese de ser o ensino de direito internacional no Brasil colonizado, fato que demonstra a necessidade de reflexão acerca da crença que o direito internacional brasileiro é universal.

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