Book Symposium – Reframing Human Rights in a Turbulent Era

Desafios de uma teoria vibrante, dinâmica e complexa para os direitos humanos

Versão em inglês aqui

Os direitos humanos operam nas ,encruzilhadas: direito e política; movimentos sociais e instituições; planos doméstico e internacional; conservação e transformação. Esses cruzamentos são permeados de tensões que atravessam tanto a sua reflexão teórica quanto a sua prática.

Como pano de fundo, está uma pergunta que foi feita em inúmeras oportunidades por ativistas, litigantes e acadêmicos: pode o direito, e mais especificamente os direitos humanos, contribuir para alterar as relações de poder, hierarquias e desigualdades sociais existentes, ou, ao contrário, sempre as reforçará e produzirá? Se sim, como?

Em seu novo livro, Reframing Human Rights in a Turbulent Era, Gráinne de Búrca oferece uma resposta a partir do direito internacional dos direitos humanos que rejeita tanto uma abordagem “profundamente crítica quanto à eficácia passada do projeto [dos direitos humanos] e profundamente pessimista quanto ao seu futuro”, quanto uma que ignora “aspectos da descrição dos direitos humanos como burocráticos, elitistas, de cima para baixo e imperialistas” (p. 10).

Sua análise foca nas interações multinível que ocorrem entre atores domésticos e internacionais ao longo do tempo e no fato de que, apesar de suas deficiências, os direitos humanos têm sido capazes de contribuir para o avanço de “importantes mudanças sociais e políticas em muitas partes do mundo” (p. 10).

Em suma, propõe uma abordagem dos direitos humanos que seja “interativa (baseada no engajamento de movimentos sociais, atores da sociedade civil e normas e instituições internacionais), iterativa (dependente de ações em andamento) e de longo prazo (perseguindo os tipos de mudanças sociais e fundamentais que raramente são alcançadas rapidamente)” (p. 10). Enfatiza a importância de “aprender com as experiências locais ou contextualizadas na implementação de um arcabouço comum” (p. 41), ao mesmo tempo em que rejeita a afirmação segundo a qual os direitos humanos serão necessariamente positivos ou terão necessariamente o impacto social pretendido (p. 12).

Essa proposta teórica apresenta uma contribuição normativa relevante para se pensar a desejabilidade dos direitos humanos a partir de uma abordagem contextualizada e contingente. Por meio dessa perspectiva dinâmica e intrincada, é possível refletir sobre o valor dos direitos humanos não em razão da sua transcendência, mas como um instrumento útil pode ser mobilizado estrategicamente em uma determinada realidade em conjunto com outros mecanismos e ferramentas em um processo de mobilização e articulação de longo prazo.

Com isso, agrega à teoria e à prática dos direitos humanos uma nova camada de complexidade.

Para além do valor normativo, o trabalho oferece lentes úteis por meio das quais observar como, na prática, vêm sendo operacionalizadas campanhas bem-sucedidas de mudança política e social de forma a entender como e em que circunstâncias o recurso aos direitos humanos pode ser mais ou menos eficaz.

Nesse sentido, o livro inclui três estudos de caso que buscam ilustrar como “um modelo particularmente eficaz de promoção dos direitos humanos, que pode ser observado em campanhas em muitas partes do mundo, é aquele que combina uma mobilização doméstica robusta com responsabilização externa e apoio interno independente em um processo contínuo de mudança ao longo do tempo” (p. 24). Para este fim, são examinados o uso feito no Paquistão da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), reformas na política relativa a pessoas com deficiência na Argentina e, na Irlanda, ações domésticas em torno da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) e a reforma da lei do aborto.

Apesar de apresentarem descrições interessantes e um vasto repertório de ações e táticas voltadas para a promoção de direitos humanos, os estudos de caso são um primeiro passo na ilustração da teoria, não sendo capazes de esgotar suas possibilidades e de refletir toda sua complexidade. Mais do que respostas, os casos permitem levantar novas e instigantes questões.

Como, nesses cenários, eventuais mudanças de governo influenciaram na receptividade de um Estado aos direitos humanos? Em que medida a assinatura ou ratificação de tratado, ou a participação dos Estados com relatórios periódicos, já não mostra uma predisposição aos direitos humanos que seria mais causa da adoção de certas medidas do que consequências? Como operaram contramovimentos e de que maneira retrocessos foram incorporados à retórica, à narrativa, e à estratégia das diferentes organizações, órgão independentes e órgão estatais? Em que medida países são influenciados por mudanças ocorridas no direito doméstico de outros Estados em comparação com os direitos humanos? Todos esses são aspectos relevantes para entender o que seria um modelo eficaz de promoção dos direitos humanos.

Apesar da preocupação do livro em olhar para a interação entre sociedade civil, órgãos independentes e instâncias internacionais, o foco da análise dos estudos de caso acaba se voltando para a esfera das Nações Unidas, âmbito em que os argumentos mobilizados são apresentados e discutidos em detalhes. Além disso, a ênfase em direitos de grupos específicos não permite dimensionar o grau de influência de elementos domésticos nos processos descritos, como a situação geral dos direitos humanos no país, contingências políticas, incluindo inclinações ideológicas dos governos no poder, e mudanças jurídicas internas como, por exemplo, composições de cortes e viradas jurisprudenciais.

Nesse sentido, os estudos de caso permitem vislumbrar potenciais desdobramentos da pesquisa que incluam, por exemplo, uma comparação com casos em que não se tenha verificado uma trajetória de sucesso, seja em outros países, seja por outros movimentos e lutas nesses mesmos países. E possibilidades que abarquem um exame detalhado de argumentos e documentos relacionados a reformas domésticas, campanhas na mídia, lobby parlamentar, entre outros, inclusive para verificar se e em que medida os instrumentos internacionais de direitos humanos são referenciados.

Outro aspecto que pode, no âmbito desta agenda de pesquisa, permitir uma ampliação das conclusões alcançadas no livro seria um aprofundamento das tensões e contradições dentro das próprias ONGs, grupos e movimentos participantes, e suas consequências: Em que medida o aumento no número de relatórios sombra apresentados indica uma intensificação da atividade da sociedade civil ou uma mudança de enfoque de outros campos, como litígio ou advocacia domésticos, para o internacional? Que incentivos e obstáculos contribuem para essa eventual mudança? Como se dá a colaboração dos movimentos populares com as ONGs no plano internacional, que barganhas permeiam essa relação? Poderia outra dinâmica dessas interações permitir pensar em resultados alternativos que possam ser ainda mais transformadores? Esses são elementos-chave para desenvolver uma compreensão complexa e contextualizada dos processos de desenvolvimento de direitos humanos de longo prazo em todos os países.

Se é verdade que os direitos humanos tiveram um papel relevante em processos de transformação social e política ao promover o engajamento social e a galvanização, como explorado nos estudos de caso, um aprofundamento desses elementos adicionais propostos acima, acompanhado de um adensamento metodológico que justifique as escolhas dos temas e países, permitiria o exame e a comparação de quando, como e em que grau essa influência ocorreu. Adicionalmente, permitiria afastar qualquer acusação no sentido de que as histórias sempre podem ser contadas de uma forma que se enquadrem e comprovem um referencial teórico anterior.

Ao propor uma teoria vibrante, dinâmica e complexa para observar o desenvolvimento dos direitos humanos em diferentes países e avaliar seu potencial na era atual, o livro apresenta um desafio: operacionalizar a análise de estudos de caso intrincados, contextualizados e em evolução. Embora os estudos de caso do livro não esgotem os elementos desta abordagem profunda e abrangente, novos desenvolvimentos parecem estar no horizonte de uma abordagem “dinâmica, diversa e em evolução” (p. 223) experimentalista dos direitos humanos, como a apresentada em “Reframing Human Rights in a Turbulent Era

Book symposium – A reaction from Gráinne de Búrca

  • Professora Adjunta de Direitos Humanos da UFMG e Coordenadora da Clínica de Direitos Humanos da UFMG. É doutora e mestre em Direito Público pela UERJ e LL.M. pela Yale Law School

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