Book Symposium – Reframing Human Rights in a Turbulent Era

O direito internacional dos direitos humanos é alvo de críticas por sua baixa capacidade de obrigar os Estados a seguir seus preceitos, assim como por não endereçar soluções para a injustiça social e o avanço do capitalismo neoliberal, que depredam direitos de forma acelerada. Em seu recém lançado “Reframing Human Rights in a Turbulent Era” (Oxford University Press, 2021, 231 p.), Gráinne De Búrca não ignora ou refuta essas críticas e tampouco as evidentes limitações do direito em promover mudança social e direitos que têm por base os valores da dignidade humana, do bem-estar e da liberdade. No entanto, a autora não endossa teses céticas e pessimistas a respeito dos direitos humanos e, nesse ponto, seu livro adquire relevância para acadêmicos e ativistas interessados na proteção de direitos. Ao olhar tanto para o passado quanto para o futuro, a autora afirma que o movimento de direitos humanos ajudou a promover mudanças sociais e políticas importantes em muitas partes do mundo. Quanto ao futuro, a autora acredita que continuarão sendo uma força importante para a mudança progressiva, apesar e por causa do aumento do iliberalismo autoritário, do impacto da pandemia e da ameaça avassaladora das mudanças climáticas, do impacto transformador da tecnologia e da disseminação de desigualdades extremas.

Seu livro propõe um teoria explicativa ampla da eficácia dos direitos humanos internacionais, a partir do estudo de três diferentes casos em diferentes contextos do Norte e do Sul Globais que mostram os modos pelos quais as campanhas de direitos humanos podem promover mudanças na promoção dos direitos. Os casos examinados envolvem ativismo em direitos humanos no Paquistão, Argentina e Irlanda que resultaram em mudança social para pessoas e grupos cujos direitos, apesar de estarem reconhecidos em tratados internacionais, eram sistematicamente vilipendiados nesses Estados.

A teoria que emerge da análise destes três casos é uma teoria experimentalista do Direito e da prática (advocacy) dos direitos humanos. Segundo essa teoria, o direito internacional dos direitos humanos pode se tornar efetivo quando for articulado e desenvolvido por meio da interação reiterada de uma multiplicidade de atores e instituições situadas em diferentes níveis e locais dentro de um sistema político multinível. Os três casos apontam que a dinâmica criada pela interação reiterada ao longo do tempo entre três conjuntos de atores e instituições internos e externos – movimentos e ativistas domésticos; instituições e redes internacionais e transnacionais; e instituições e atores nacionais independentes – tem sido a chave para o processo de concretização da reforma que promoveu os direitos humanos de mulheres, crianças e pessoas com deficiência nos três países analisados.

Para a autora, a abordagem experimentalista é adequada para o domínio transnacional em que não há autoridade soberana para definir objetivos comuns, ou seja, é particularmente adequada em virtude de seu caráter descentralizado, participativo e iterativo. Em direitos humanos, o experimentalismo descreve um ciclo de engajamento ativo entre atores situados localmente que se mobilizam para desafiar práticas, destacar injustiças e reivindicar direitos; instituições e fóruns transnacionais ou internacionais que fornecem um lócus de responsabilidade externa ouvindo reivindicações de vários ambientes domésticos, facilitando a contestação e o debate de reivindicações e questões, e articulando padrões normativos; e atores e instituições nacionais e outros independentes que amplificam e aumentam a pressão sobre o Estado e traduzem ou localizam as contribuições normativas.

A autora observa que essa interação deve ser reiterada, já que nenhuma mudança significativa ou duradoura ocorreu em curto período de tempo. Por isso, a interação entre os atores locais e internacionais, com objetivo comum de mobilizar o direito internacional dos direitos humanos, envolve um processo de mobilização, defesa e pressão de longo prazo. No livro, a autora deixa claro que sua teoria experimentalista insere-se em uma tradição de pesquisas que olha para o mesmo fenômeno: a efetividade do direito internacional dos direitos humanos e o papel particularmente importante da advocacy para esse fim.

Búrca não chega a explorar as razões que explicariam a inefetividade prima facie do direito internacional dos direitos humanos e consequente necessidade de profundas articulações para fazê-lo funcionar minimamente, já que este não é o escopo do seu livro. Ela parte dessa constatação e, a partir daí, aponta possíveis soluções. Para mim, que estudo direitos humanos desde a perspectiva descolonial, os direito internacional dos direitos humanos simplesmente não funciona como deveria porque as vítimas, ou seja, aqueles cujos direitos são violados são sujeitos ou grupos que habitam a zona do não-ser, nas palavras de Frantz Fanon. Dada a ausência ou debilidade de poder econômico, cultural e político, as vítimas encontram obstáculos intransponíveis para o respeito e a proteção de seus direitos mais básicos, incluindo a busca por justiça. A violação de direitos humanos é um fenômeno seletivo que atinge grupos historicamente subordinados.

Apesar de não tocar nesse ponto, o livro traz contribuições significativas para o incremento da proteção dos direitos, ao mesmo tempo em que revela as dificuldades, talvez intransponíveis, para as vítimas do Sul Global que se ressentem de uma rede necessária para avançar no manejo dos mecanismos internacionais e nacionais de direitos humanos. Uma dessas contribuições é apontar o importante papel que acadêmicos do direito internacional dos direitos humanos no Sul Global podem desempenhar empregando a abordagem experimentalista. A cooperação acadêmica nacional e internacional e o diálogo com instituições nacionais independentes, sociedade civil e organismos internacionais deve entrar na agenda dos pesquisadores de direitos humanos ainda são incipientes em muitos países do Sul Global. Desde que realizada de forma simétrica e horizontal, o tipo de interação proposto por Búrca pode se converter em um fator de reversão importante da vulnerabilidade das vítimas.

O livro é também um grande auxílio para uma gama de pesquisadores, ativistas e autoridades que, de alguma forma, estejam engajados na efetivação de direitos humanos e promoção de mudança social, mas que ainda se prendem – não de forma consciente ou voluntária – a modelos de autoridade centralizados, “de cima para baixo”, que entendem o direito como um conjunto de normas que, uma vez promulgadas, tem efeito imediato. O livro nos faz refletir sobre algo que é central: é uma vã ilusão pensar e situar a defesa e a promoção de direitos humanos numa teoria tradicional do Direito e do Estado que soberanamente impõe normas de obediência obrigatória. Essa obra vem, portanto, somar-se a uma corrente que defende a imprescindibilidade da advocacy para a realização dos direitos humanos e aponta muitos caminhos frutíferos sobre como fazê-la acontecer.

Book symposium – A reaction from Gráinne de Búrca

  • Coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da UNISINOS (NDH-UNISINOS); Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS; Doutora em Direito (UNISINOS), com período sanduíche no Birkbeck College da Universidade de Londres (2009); Advogada

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