A X Conferência de Exame do TNP e o perigo nuclear

Coluna “Desarmamento e Não Proliferação de Armas Nucleares”

Nos termos do artigo VIII.3 do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) as partes desse importante instrumento no campo do desarmamento e controle de armamentos devem reunir-se quinquenalmente a fim de  examinar seu funcionamento com o objetivo de assegurar que os objetivos do Preâmbulo e os dispositivos do Tratado estejam sendo realizados.

A Décima Conferência de Exame, realizada em Nova York de 2 a 26 de agosto, despertou grande interesse entre os observadores e estudiosos da política internacional. Não apenas a Conferência anterior, realizada em 2015, fora considerada um insucesso por não haver conseguido adotar um documento final de consenso, mas também a Décima, inicialmente programada para 2020, teve que ser adiada por dois anos devido à pandemia da COVID 19 e foi finalmente marcada para agosto de 2022. Além disso, a invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro deste ano fez com que pela primeira vez a reunião decorresse em um ambiente de aberta hostilidade entre países e especialmente entre potências que dispõem de armamento nuclear, como é o caso da Rússia e de alguns membros da aliança atlântica conhecida pela sigla OTAN.

Devido a essas circunstâncias pouco comuns, temia-se desde o início que a Conferência não pudesse chegar a um resultado consensual, o que efetivamente ocorreu. A falta de acordo, porém, náo é inédita em conferências desse tipo. Das nove realizadas desde a entrada em vigor do TNP cinco terminaram sem a adoção de um documento final de consenso. Nessas ocasiões, porém, o resultado negativo se deveu principalmente à insatisfação dos países não possuidores de armas nucleares diante da percebida ausência de vontade por parte dos possuidores de aceitar compromissos claros, juridicamente vinculantes de desarmamento nuclear, mais do que de divergências entre as principais potências nuclearmente armadas.

A delegação da Federação Russa arguiu “aspectos políticos” e “desequilíbrio” no texto final proposto a respeito da situação da usina nuclear de Zaporizia e acrescentou que “muitas delgações” tampouco concordavam com outras partes do anteprojeto de Documento Final. Devido à regra de consenso adotada nas Conferëncias de Exame, o presidente Gustavo Zlauvinen não teve alternativa a não ser declarar a inexistência de acordo sobre a substância dos debates.

O mundo conheceu o impacto do uso de armamento atômico em agosto de 1945, com o ataque contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Apenas duas bombas mataram instantanemente mais de 150 mil pessoas e muitas mais pereceram pelos efeitos da radiação ao longo das décadas seguintes. Na primeira Assembleia Geral das Nações Unidas, em janeiro de 1946, a comunidade internacional procurou chegar a um acordo para a eliminação dessas e das demais armas de destruição em massa. No entanto, a hostilidade e desconfiança entrs as duas principais potências impediu qualquer progresso nesse sentido. Durante a Guerra Fria o número de armas nucleares no mundo atingiu o assombroso total de 70.000. Sucessivos acordos entre os Estados Unidos e a União Soviética (depois Rússia) resultaram em drásticas reduções. A detonação de mesmo uma fração das mais de 13.000 hoje existentes – 95% das quais em mãos desses dois países – seria suficiente para exterminar a raça humana e inviabilizar a a vida na Terra.

O apelo do presidente John Kennedy na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1961 é ainda tão vital e urgente quanto naquela época, há sessenta anos: “Precisamos elimnar essas armas antes que elas nos eliminem”.

Esse objetivo continua longe de ser atingido. Foi possível, porém, adotar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e alguns outros acordos destinados a evitar que novas nações as obtivessem. O Tratado reconhece cinco países – China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia – como possuidores exclusivos de armamento nuclear. Outros quatro – Coreia do Norte, Israel, Índia e Paquistão – não aderiram ao Tratado e desenvolveram seus próprios arsenais [1]. Todos os demais se comprometeram a não vir a adquirir essas armas e a submeter-se a inspeções para verificação do cumprimento dessa obrigação.

Muitos membros não nucleares do TNP apontam as deficiências desse instrumento, especialmente seu aspecto discriminatório e a ausência de dispositivos juridicamente vinculantes sobre desarmamento aplicáveis aos países nucleares. Estes, porém, não parecem dispostos a aceitar obrigações mais robustas nesse particular. A frustração decorrente dessa situação, aliada à crescente tomada de consciência dos catastróficos efeitos do uso de tais armas levou um grande número de estados não nucleares a negociar e adotar um tratado de proibição (TPAN), como já havia ocorrido em relação às outras duas categorias de armas de destruição em massa – bacteriológicas (biológicas) e químicas.

A cada cinco anos, os estados parte do Tratado de Não Proliferação se reunem para avaliar a implementação do instrumento. Nem sempre tem sido possível chegar a resultados de consenso: das dez Conferências realizadas até hoje, seis não conseguiram acordo.

Tal como ocorreu nas ocasiões anteriores, o texto final proposto na Décima Conferência não contém retrocessos, mas tampouco mostra avanços. Devido à oposição dos países nuclearmente armados, o documento não contém menção ao TPAN, que entrou em vigor em janeiro do ano passado. Uma expressiva maioria considerou o texto insuficiente por diversos motivos, mas mesmo assim parecia disposta a adotá-lo a fim de evitar dois insucessos seguidos. Enquanto isso, crescem o ceticismo e a preocupação com a erosão da relevância e autoridade do Tratado.

Devido à trágica situação na Ucrânia, muitos observadores afirmam que o mundo nunca esteve tão próximo de uma guerra nuclear desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962. No entanto, esse perigo não parece assustar muita gente. Resta saber por quanto tempo a humanidade continuará a conviver com a ameaça existencial representada pelas armas nucleares.

_____________________

[1] Israel não confirma nem desmente oficialmente a posse de armas nucleares, mas acredita-se que disponha de cerca de 90 ogivas.

  • Embaixador, ex-Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. Presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais. Colunista do IntLawAgendas.

CONTEÚDOS RELACIONADOS / RELATED CONTENT:

Compartilhe / Share:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter