Qual o papel da OMC e para onde vamos? Percepções brasileiras

No final deste mês de setembro aconteceu o fórum público anual da Organização Mundial do Comércio (OMC) – Towards a sustainable and inclusive recovery: ambition to action – e esse parece ser um bom momento para refletir sobre os resultados da última Conferência Ministerial que aconteceu em junho (MC12) e sobre os rumos da instituição.

O mundo mudou muito nos últimos anos, e a OMC não está isolada desse contexto. Nos últimos anos, com Brexit, guerra comercial EUA-China, pandemia e mais recentemente a guerra na Ucrânia, a habilidade dos governos em encontrar soluções coordenadas e a resiliência do setor privado estão sendo ainda mais desafiadas do que na crise financeira de 2009. Difícil manter o otimismo sob ameaças de uma guerra nuclear, alianças de autocracias, um hemisfério ocidental totalmente mobilizado, sanções econômicas agressivas, e um enorme problema energético e de segurança alimentar que não deve arrefecer no futuro próximo.

Tudo isso influência a política comercial e dificulta que se chegue a acordos mutuamente satisfatórios. Não à toa a capacidade negociadora, um dos pilares de sustentação da OMC, está sob constante ataque. A capacidade (e o interesse) de os 164 membros concluírem acordos multilaterais parece ser passado e, bem verdade, embora o multilateralismo faça parte da espinha dorsal da OMC, a cooperação significativa que ocorre em grupos menores parece apontar para um futuro de acordos plurilaterais.

Contudo, com todas as adversidades e a falta de fé nas negociações multilaterais, há de se reconhecer que em junho último a OMC mostrou que ainda respira e os membros concordaram com um pacote de acordos comerciais que incluíram temas importantes como saúde, segurança alimentar e reforma da Organização. Abaixo seguem breves comentários sobre temas que merecem nossa maior atenção.

Reforma da OMC: Os 164 membros reafirmaram os princípios fundamentais da OMC e se comprometeram com um processo aberto e inclusivo para reformar todas as suas funções, da deliberação à negociação e ao monitoramento. Firmou-se o compromisso de trabalhar para ter um sistema de solução de controvérsias funcional e acessível a todos os membros até 2024. Lembre-se que o Órgão de Apelação está inativo desde 2020, após repetidos bloqueios norte-americanos na nomeação de membros para o Órgão.

Subsídios à pesca: Os subsídios globais à pesca foram estimados em US$ 35,4 bilhões em 2018, dos quais US$ 22,2 bilhões foram subsídios para aumento de capacidade. Após uma longa negociação de 21 anos, foi alcançado um acordo na Conferência Ministerial da OMC 2022 para acabar com os subsídios à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada e à pesca de estoques sobrepescados. Os países em desenvolvimento membros terão uma isenção de dois anos para subsídios concedidos dentro de suas zonas econômicas exclusivas (até 200 milhas náuticas de suas costas). Nenhum membro poderá fornecer subsídios à pesca em alto mar, exceto quando regulamentado por uma organização de gerenciamento de pesca. O acordo contém requisitos de notificação e estabelece um mecanismo de financiamento voluntário para ajudar os países em desenvolvimento.

Agricultura e segurança alimentar: Em meio a uma crise alimentar global houve pressão para que a OMC apresentasse um resultado significativo em comércio e segurança alimentar. Os 164 membros prometeram garantir que quaisquer medidas de segurança alimentar de emergência seriam minimamente distorcivas ao comércio, “temporárias, direcionadas e transparentes” e notificadas à OMC. Eles também concordaram em não proibir ou restringir as exportações de alimentos adquiridos pelo Programa Mundial de Alimentos para fins humanitários. Isso não substitui as exceções existentes nos acordos da OMC para medidas tomadas por motivos de segurança alimentar doméstica. Além desses resultados, os Membros não conseguiram chegar a um acordo sobre um programa de trabalho para futuras negociações na agricultura devido a divergências de longa data. A não atenção aos temas de agricultura foi uma das grandes críticas aos acordos da MC12.

Resposta à pandemia: A Conferência Ministerial da OMC decidiu que os países elegíveis poderiam substituir as patentes da vacina COVID-19 até 2027. A decisão de estender isso para a área terapêutica e de diagnóstico da COVID-19 foi adiada por seis meses.

E-commerce: Esse era um tema de muita preocupação para as empresas digitais, pois a MC12 poderia significar o fim de uma moratória nas tarifas sobre transmissões eletrônicas, aumentando a perspectiva de custos mais altos para produtos e serviços digitais comercializados. No final, a moratória foi renovada até 31 de março de 2024. Além disso, o Conselho Geral deve realizar revisões periódicas, com base nos relatórios da OMC sobre o “âmbito, definição e impacto” da moratória.

Talvez pela baixa expectativa em relação a essa Conferência Ministerial, os resultados advindos da MC12 foram recebidos com certa surpresa pelo público. Os negociadores foram capazes de negociar – sob a guiança de Ngozi Okonjo-Iweala que, ao que dizem, teve um papel fundamental no engajamento dos Membros -, um pacote de acordos em meio a grandes tensões geopolíticas e de interesses opostos nas relações internacionais.

Mesmo que a substância dos acordos do “Pacote de Genebra” deixe a desejar, com exceção do acordo sobre subsídios à pesca – esse sim substantivo -, e em meio a um mundo de cabeça para baixo, os Membros deram um sinal de que a OMC importa e de que há desejo de continuarem caminhando juntos, ainda que a passos lentos.

Não há outro fórum global de trate de comércio internacional para substituir a OMC. Os seus membros compreendem 164 governos e é necessário um senso de propósito muito forte para mantê-los unidos. Durante décadas houve o entendimento de que a crença comum de que um sistema de comércio universal baseado em regras era do interesse de todos. Isso não é mais verdade. A economia global mudou, o mundo mudou. O novo contexto exige uma releitura do que está posto, e encontrar esse novo ajuste fino pode ser um dos maiores desafios e um dos maiores triunfos da Organização.

MC12 Package of Decisions and Declarations

WT/MIN(22)/24
MC12 Outcome Document
WT/MIN(22)/25
Work Programme on Small Economies – Ministerial Decision WT/MIN(22)/26
TRIPS Non-violation and Situation Complaints – Ministerial Decision
WT/MIN(22)/27
Sanitary and Phytosanitary Declaration for the Twelfth WTO Ministerial Conference: Responding to Modern SPS Challenges – Ministerial Declaration
WT/MIN(22)/28
Ministerial Declaration on the Emergency Response to Food Insecurity
WT/MIN(22)/29
Ministerial Decision on World Food Programme Food Purchases Exemption from Export Prohibitions or Restrictions
WT/MIN(22)/30
Ministerial Decision on the TRIPS Agreement
WT/MIN(22)/31
Ministerial Declaration on the WTO Response to the COVID-19 Pandemic and Preparedness for Future Pandemics
WT/MIN(22)/32
Work Programme on Electronic Commerce – Ministerial Decision
WT/MIN(22)/33
Agreement on Fisheries Subsidies – Ministerial Decision

  • Renata é PhD em Direito do Comércio Internacional pela Universidade de Maastricht e Doutora pela UFSC. Tem mais de 15 anos de experiência na área e atualmente está baseada em Washington DC, onde presta consultoria e é Professora Adjunta do Washington College of Law da American University. É membro do Conselho Consultivo do Setor Privado do Ministério da Economia, membro do WTO Gender Research Hub, Membro do Conselho Diretor da Counterpart Internacional e Fundadora da Rede Women Inside Trade (@women_inside_trade). Colunista quinzenal da Agência Estado/Broadcast.

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