G-7, Paz e Riscos Nucleares: Comentários sobre a reunião de cúpula do G-7

O local escolhido para a reunião anual dos países que compõem o G-7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) foi a cidade de Hiroshima, arrasada pelo primeiro bombardeio atômico da história mundial. O simbolismo é claro, pois nos tempos atuais a ameaça de uso de armamento nuclear paira novamente sobre a humanidade. Os temas de segurança internacional ocuparam grande parte dos debates, inclusive durante o tempo destinado à interação com os líderes dos países não membros do G-7 convidados à segunda parte do encontro (Austrália, Brasil, Comores, Coreia do Sul, Ilhas Cook, Índia, Indonésia e Vietnam). A reunião do G-7 tornou mais evidente a divisão geopolítica entre Pequim e Moscou, de um lado, e o Ocidente, do outro, e demonstrou mais uma vez a forte coesão entre os países que compõem o grupo.

Alguns comentaristas advertem que Moscou poderia estar cogitando seriamente da utilização de armas nucleares “táticas” [1] em solo ucraniano, sob a alegação de que o país se encontra sob ameaça existencial. Belarus celebrou nos últimos dias um acordo com a Rússia para a colocação desse tipo de arma em seu território. Autoridades ucranianas declararam esta semana que o país está pronto para uma contraofensiva com o objetivo de retomar áreas ocupadas. Aquelas análises apontam que diante de uma escalada convencional ucraniana, cada vez mais vista como provável e fortemente apoiada por insumos militares dos países da OTAN, os militares russos não teriam outra opção senão lançar mão da carta nuclear. Por sua vez, a aliança atlântica tem afirmado não pretender usar seu próprio poderio atômico em defesa da Ucrânia. Resta saber qual seria a reação da OTAN a uma escalada nuclear por parte de Rússia. Outros analistas ocidentais, porém, acreditam que a probabilidade de um ataque nuclear russo contra a Ucrânia seria extremamente baixa e confiam na capacidade de dissuasão representada pelo arsenal de que dispõe a OTAN.

Outro motivo de preocupação do G-7, e especialmente para o Japão, anfitrião do evento, é a crescente ameaça de proliferação nuclear na península coreana. Ao longo dos últimos meses, o ditador norte-coreano Kim Jong-Un vem desenvolvendo sua capacidade de ataque nuclear, por meio de constante experimentação de mísseis de alcance cada vez mais longo. Ao mesmo tempo, Pyongyang contempla a possibilidade de ataques preventivos em caso de “ameaça imediata”. No início de seu mandato, o presidente da Coreia do Sul afirmou que seu país poderia vir a considerar a aquisição de capacidade nuclear própria. Posteriormente, durante visita oficial à capital dos Estados Unidos, o presidente Biden assegurou a seu colega a inabalável determinação norte-americana de defender nuclearmente a Coreia do Sul na eventualidade de um ataque pelo país do norte.

Esses fatos levaram Washington a intensificar sua presença na região, elevando o risco de escalada. A possibilidade de recolocação de armas nucleares na Coreia do Sul, aventada por alguns, poderia suscitar reação da Rússia e China, vizinhas da Coreia do Norte. Foi também anunciada a decisão dos EUA de basear ainda no corrente ano um submarino dotado de armamento nuclear em algum porto sul-coreano.

Ao final dos trabalhos da reunião do G-7 foram publicados três documentos. O primeiro acentua a decisão de “enfrentar os desafios globais do momento, com base e parcerias internacionais mundiais em direção a um futuro melhor”. Essa atividade, prossegue, baseia-se no respeito à Carta das Nações Unidas e na parceria internacional. As medidas concretas tomadas pelo G-7 compreendem: fortalecer os esforços em prol do desarmamento e não proliferação; coordenar a busca de resiliência econômica com redução de riscos; e impulsionar a transição energética. O Grupo condena veementemente a invasão russa e se dispõe a “apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário”. Em seguida, recorda o preceito, expresso em 1968 e reafirmado pelos presidentes da Rússia e dos Estados Unidos em 2021, de que “uma guerra nuclear não terá vencedores e jamais deve ocorrer”. Para o G-7, o armamento nuclear deve servir, “enquanto existir”, para fins defensivos, dissuadir agressão e evitar a guerra e a coerção. Essa categórica afirmação parece indicar que tais armas não deixarão de ser parte integrante das doutrinas militares desses países até que por alguma ação não especificada – mas pela qual não se consideram legalmente responsáveis – elas possam vir a ser eliminadas. Para os países não possuidores de armas nucleares, porém, o perigo do uso de tais armas decorre precisamente de sua existência.

Um segundo documento contém as perspectivas para o desarmamento nuclear segundo a ótica do G-7 e reafirma o compromisso de atingir um mundo sem armas nucleares “com segurança não reduzida para todos”. Recorda também o fato de que as armas nucleares não foram usadas nos últimos 77 anos. Apresenta a “visão” do G-7 em matéria de desarmamento, controle de armamentos e não proliferação, limitando-se porém a reiterar posições tradicionais do Grupo, sem trazer propostas que possam levar a novas reduções do armamento nuclear existente ou a progressos no sentido do desarmamento nuclear. Não transparece no documento o entendimento de que haja uma obrigação juridicamente vinculante de promover a abolição das armas nucleares. Na verdade, todo o esforço dos nove países detentores de arsenais atômicos – e não apenas os membros do G-7 – tem se orientado no sentido de justificar a posse desse armamento como garantia de sua própria segurança. A preservação dos regimes existentes “e outros esforços globais” são considerados uma necessidade fundamental. O documento não menciona o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPAN), rejeitado pelas potências nucleares e seus aliados. Tampouco há referência direta à revitalização dos órgãos das Nações Unidas encarregados do debate e negociações de desarmamento e controle de armamentos, que se encontram paralisados há mais de duas décadas.

De fato, o arcabouço de instrumentos multilaterais e bilaterais elaborado desde o final da Segunda Guerra Mundial no campo do desarmamento e controle de armamentos se encontra gravemente erodido. Devido à crescente deterioração do relacionamento entre Rússia e Estados Unidos, o tratado Novo START, de 2010, que determinou reduções importantes dos arsenais nucleares, se encontra suspenso e deverá expirar em 2026. Não existe, no momento, qualquer limitação em vigor sobre o tamanho e características das forças nucleares de ambos os lados.

O G-7 chama atenção para a aceleração do esforço de aumento do arsenal nuclear por parte da China “sem transparência nem diálogo significativo” e para a atividade chinesa na área do Indo-Pacífico, especialmente a situação de Taiwan, que constituem motivo de preocupação para o Ocidente no que se refere à estabilidade global e regional. Menciona também o desenvolvimento de armas nucleares e ensaios com mísseis balísticos por parte da Coreia do Norte, conclamando esse país a abster-se dessas atividades ou outras provocações e a afirma que a DPRK “não pode e jamais poderá ter” o status de potência nuclear nos termos do Tratado de Não Proliferação. A China reagiu com indignação às menções sobre sua atuação na área externa, acusando o Ocidente de buscar uma “guerra por procuração” na questão de Taiwan.

Em seguida, esse documento trata dos programas nucleares iranianos, que são causa de “profunda preocupação”. Para o G-7, a crescente escalada desses programas “não tem justificativa civil crível e leva o país perigosamente próximo a atividades nucleares bélicas”. Reitera em seguida a clara decisão de que o Irã jamais deverá desenvolver armamento atômico e apela a todos os países para que apoiem a implementação da Resolução 2231 do Conselho de Segurança, que estabelece restrições a esses programas.

O terceiro e mais extenso documento contém um plano de ação sobre os pontos abordados durante os debates, a saber: a situação na Ucrânia; desarmamento e não proliferação; a situação na região do Indo-Pacífico; economia, finanças e desenvolvimento sustentável; mudança do clima; meio ambiente; energia e economia de fontes limpas; ciência e tecnologia; questões de gênero; direitos humanos, refugiados, migrações e democracia; terrorismo; e finalmente assuntos regionais. Neste último trecho, o documento registra o compromisso de acentuar a cooperação com os países do Caribe e América Latina para “promover interesses e valores compartilhados e respeito aos direitos humanos”. Sugere também a necessidade de medidas para enfrentar exigências humanitárias e de segurança em toda a região, especialmente Venezuela, Haiti e Nicarágua.

A guerra na Ucrânia dominou os debates e as conversações bilaterais entre os membros do G-7 e os oito países convidados. O presidente ucraniano Volodomir Zelensky participou de muitas dessas conversas e reiterou sua posição de que somente mediante a retirada das tropas russas de todas as regiões ocupadas será possível avançar em direção à paz. Muitos países ocidentais partilham dessa convicção. Apesar do crescente interesse pela busca de maneiras para entabular uma mediação eficaz, o caminho para o fim da guerra parece ainda muito distante.

[1] Consideram-se “táticas” as armas nucleares de alcance entre 200 e 1.000 km. e de poder explosivo reduzido, cujo uso se limitaria ao campo de batalha, em oposição às denominadas ”estratégicas”, de alcance intercontinental e portadoras de cargas explosivas de centenas de milhares de kilotons.

  • Embaixador, ex-Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. Presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais. Colunista do IntLawAgendas.

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