A Nova Tragédia no Oriente Médio

Passados onze dias do gravíssimo e mortífero ataque terrorista perpetrado pelo grupo armado palestino Hamas contra Israel, é possível avaliar algumas de suas repercussões imediatas. Certamente ainda haverá novas e profundas consequências negativas para a segurança da região e do mundo.

No último dia 7, centenas de militantes do Hamas atravessaram o muro fortificado erguido entre a faixa de Gaza e Israel, juntando-se a elementos infiltrados e matando civis indiscriminadamente, enquanto milhares de foguetes eram  disparados contra o território de Israel. As vítimas do lado israelense somaram aproximadamente 1.300 pessoas. O ataque foi uma surpresa para o governo de Israel, que provavelmente confiava nas virtudes dissuasórias de suas defesas e em seu esmagador poderio militar, assim como na capacidade e eficiência do sofisticado sistema de inteligência e informação. O conflito prosseguiu com bombardeios israelenses sobre a faixa de Gaza, controlada pelo grupo Hamas, onde vivem aproximadamente 2 milhões e meio de palestinos, muitos dos quais foram deslocados para o sul do enclave.  Um grupo de 28 brasileiros aguarda angustiosamente autorização para atravessar a fronteira com o Egito. Tropas israelenses estão concentradas ao longo da faixa de Gaza porém até agora não houve invasão terrestre. 

No dia 17 um hospital em Gaza, onde além de centenas de enfermos grande quantidade de pessoas havia se abrigado, foi alvo de uma bomba que matou pelo menos 470 pessoas e feriu muitas mais. Israel e a Jihad Islâmica  se acusam mutuamente desse ataque, que  elevou drasticamente o já inaceitável nível de brutalidade dos confrontos. Relatos de imprensa informam que pelo menos 4 mil pessoas, na maioria palestinos,  já perderam a vida desde o início dos confrontos.

Por enquanto, pode-se apenas especular sobre os motivos pelos quais o Hamas decidiu lançar sua ofensiva neste momento. As recentes iniciativas de aproximação entre Israel e países árabes mais moderados, como os chamados “acordos de Abraão” com o Barein e os Emirados e as conversações em curso com a Arábia Saudita, a Jordânia e o Catar, aliadas às pressões para maiores concessões aos palestinos por parte de Tel-Aviv poderão haver gerado no Hamas – adversário  político da Autoridade Palestina – a convicção de que era necessário prejudicar  o desenvolvimento da tendência a uma acomodação entre Israel e o mundo árabe que parecia esboçar-se. Os fatos do dia 7 e seus desdobramentos sem dúvida obrigarão os governos interessados a reavaliar suas posições e aspirações.  Da mesma forma, não se pode ainda prever o futuro comportamento de organizações militantes como o Hamas, o Hizbollah e a Jihad Islâmica, que gozam do apoio iraniano. O Oriente Médio, por algum tempo colocado em segundo plano devido à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, volta a ocupar atenção prioritária nas relações internacionais.   

As incógnitas e preocupações suscitadas pelo ataque do Hamas são muitas e complexas. Em ocasiões anteriores semelhantes Israel limitou sua reação a bombardeios contra Gaza e outras ações militares com o objetivo de neutralizar a liderança do Hamas e restringir sua liberdade de ação. Desta vez, porém, prefigura-se a possibilidade de extensão das hostilidades por tempo imprevisível e mesmo de uma invasão e ocupação militar daquele território densamente povoado. Qualquer decisão do governo de Tel-Aviv terá que levar também em conta a presença em Gaza de cerca de 150 reféns israelenses sequestrados pelo Hamas, o que exigirá delicadas negociações e muito cuidado na execução de quaisquer incursões por parte do exército israelense. Além disso, Israel terá difíceis problemas a resolver no dia seguinte: quando e como retirar-se, qual será o futuro status do enclave, e como lidar com a reação negativa em várias partes do mundo, principalmente no que diz respeito à observância das normas do direito internacional humanitário.  O Presidente norte-americano Joe Biden reafirmou o absoluto apoio a Israel, mas declarou que uma invasão seria “um grande erro”. O Secretário de Estado Anthony Blinken tem percorrido os países da região nos últimos dias buscando evitar o alargamento do conflito, no qual os Estados Unidos se veriam inevitavelmente envolvidos.

O risco principal é que uma reação desproporcional de Israel ou a exacerbação do sentimento de revolta de parte dos palestinos possam causar a escalada das hostilidades, com novos ataques terroristas, levantes populares, entrada ativa do Hizbollah no conflito e até mesmo o apoio ostensivo do Irã. Alguns comentaristas já aventaram a hipótese, que parece remota mas é altamente preocupante –  Each side has legitimate grievances and concerns that must be recognized addressed. Violence only increases the difficulty of solving the complex political and legal situation that evolved from a long historical background. A workable settlement must take into account the security needs of the whole region and aim at enhancing the security of all nations. 

, de uso de armas nucleares na região. O primeiro ministro de Israel foi duramente criticado pela falência do sistema de inteligência, que se deixou surpreender pela ousada incursão do Hamas.  Diante das trágicas proporções dos acontecimentos, Netanyahu organizou um governo de emergência com a participação do líder da oposição e terá que demonstrar equilíbrio, decisão e responsabilidade a fim de manter sob controle a ala extremista de seu próprio partido.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão primordialmente responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais, tem-se mostrado incapaz de responder adequadamente à atual crise, que ameaça alastrar-se pelo Oriente Médio. O Brasil, que exerce a presidência do Conselho durante o mês de outubro, tem buscado consenso em torno de medidas de alívio humanitário para as populações envolvidas, porém até o momento sem êxito. 

Há meio século, na guerra do Yom Kippur, o bem sucedido avanço inicial de egípcios e sírios contra Israel foi aclamado com júbilo no mundo árabe, ainda que a vitória final coubesse a Israel. O presidente egípcio Anwar Sadat e o então líder do Hamas, Yasser Arafat, construíram com o premier israelense Ytzak Rabin um acordo de paz patrocinado pela Noruega e Estados Unidos, que infelizmente não foi capaz de atingir o objetivo, acordado em 1948, de estabelecimento de dois estados vizinhos em paz – Israel e Palestina. Os acontecimentos desde o último dia 7 tornarão ainda mais improvável que esse desígnio se torne realidade.   

  • Embaixador, ex-Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. Presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais. Colunista do IntLawAgendas.

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