A Coalizão da Nova Agenda (NAC) e a Conferência de Exame do TNP

A Conferência de Exame do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) realizada em 1995 segundo o disposto no Artigo X.2 do Tratado considerou não haver objeção à prorrogação da vigência do instrumento por tempo indefinido. Alguns países não possuidores dessas armas, convencidos de que a vigência indefinida não deveria ser interpretada como posse indefinida, iniciaram entendimentos visando a definir objetivos e ações conjuntas necessárias para a completa eliminação do armamento atômico. Para esses países, a existência das armas nucleares representa uma ameaça à segurança de todos.


Com essas preocupações em mente, os ministros do Exterior da África do Sul, Brasil, Egito, Eslovênia, Irlanda, México, Nova Zelândia e Suécia assinaram em 9 de junho de 1998 uma Declaração conjunta segundo o qual “a afirmação de que é possível manter perpetuamente a posse de armas nucleares sem que estas sejam jamais usadas desafia a credibilidade. A única defesa completa é a eliminação dessas armas e a certeza de que elas nunca venham a ser produzidas novamente”1. O comunicado divulgado na primeira reunião do grupo, realizada em Dublin, marca a fundação da Coalizão da Nova Agenda. Posteriormente, Eslovênia e Suécia retiraram-se do grupo.


Na Declaração, esses países recordaram a primeira resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1946, que estabeleceu uma comissão encarregada de apresentar propostas para a “eliminação das armas nucleares e todas as demais armas adaptáveis para a destruição em massa”. Ao mesmo tempo em que expressaram satisfação pela conclusão das Convenções de proibição de armas bacteriológicas e químicas, lamentaram o fato de que inúmeras resoluções e iniciativas com objetivos semelhantes permaneçam sem cumprimento. Mostraram-se profundamente preocupados com a “persistente relutância” dos países nucleares em considerar suas obrigações constantes do TNP como compromisso urgente para a eliminação total dessas armas, recordando a conclusão unânime da opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça no sentido de que existe uma obrigação de levar adiante de boa fé e concluir negociações de desarmamento nuclear em todos os seus aspectos.
Conclamaram também os cinco países reconhecidos como nucleares pelo TNP e os três que posteriormente obtiveram tais armas a comprometer-se inequivocamente a eliminar seu armamento e a iniciar imediatamente os passos práticos necessários para a realização desse objetivo.


A Declaração reconhece a importância do Tratado de Tlatelolco e o estabelecimento de zonas livres de armas nucleares em outras regiões do mundo. Para os membros da Coalizão, a manutenção de um mundo livre de armas nucleares deverá estar firmemente baseada em “um instrumento universal, negociado multilateralmente e juridicamente obrigatório, ou em uma estrutura de acordos que se fortaleçam mutuamente”2.


Assim, a Coalizão da Nova Agenda, conhecida pela sigla em inglês NAC (New Agenda Coalition), pode ser definida como um grupo de Estados não possuidores de armas nucleares constituído em nível ministerial no contexto do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, como o objetivo de construir consensos para o progresso no sentido do desarmamento nuclear.


A NAC não possui um documento formal de constituição além da Declaração de 9 de junho de 1998 e tampouco tem um secretariado permanente. As decisões são tomadas por consenso, o que não significa unanimidade. Seus esforços lograram a adoção da Resolução 53/77/Y na 53ª Sessão da Assembleia Geral, que conclamou os cinco estados reconhecidos pelo TNP e os outros três possuidores de armas nucleares a “comprometer-se inequivocamente” com o desarmamento nuclear e a iniciar negociações multilaterais que levassem à eliminação dessas armas, por meio de uma Convenção específica. Sua atuação foi também fundamental para o acordo a respeito dos “13 passos práticos” para o desarmamento nuclear, obtido na Conferência de Exame do TNP em 2000, e do “Plano de Ação” adotado pela Conferência de Exame do TNP em 2010.


A Coalizão da Nova Agenda definiu suas prioridades na matéria da seguinte forma:
1 – Universalização do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e to Rtatado Abrangente de Proibição de Ensaios Nucleares (CTBT);
2 – Início de negociações de um tratado de corte na produção de materiais físseis;
3 – Fim do atual impasse processual na Conferência do Desarmamento (CD);
4 – Desenvolvimento dos necessários regimes de verificação.


Para comemorar os 25 anos da fundação do grupo os atuais membros3 se reuniram em 19 de junho de 2023 no Itamaraty em Brasília e trataram do prosseguimento de sua atuação em prol do desarmamento nuclear, refirmando o foco do grupo sobre o desarmamento nuclear e seus esforços para realizar e manter um mundo livre de armas nucleares. Essa reunião coincidiu com a realização na mesma data do seminário “A Crise dos Regimes de Desarmamento e Controle de Armamentos e o papel da NAC”, promovido pela Fundação Alexandre de Gusmão e pelas Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais.


Nessa ocasião, a NAC reiterou sua profunda preocupação com as catastróficas consequências humanitárias de qualquer uso de armas nucleares e com o grave impacto do uso tanto acidental quanto proposital de tais armas sobre a humanidade e o planeta. Acentuou ainda sua convicção de que no atual ambiente frágil da segurança internacional, todos os países, principalmente os possuidores de armas nucleares, devem rejeitas a normalização da retórica nuclear e especialmente a ameaça de uso de armas nucleares, que somente debilita o regime de desarmamento e não proliferação e é contrário à Carta das Nações Unidas.


Finalmente, os membros da NAC reafirmaram os princípios e objetivos que norteiam a ação do grupo e renovaram o compromisso de buscar sua realização como energia renovada durante o próximo ciclo de exame do TNP, que se iniciará em agosto do corrente ano, com a primeira reunião do Comitê Preparatório, a realizar-se em Viena.


O documento NPT.CONF.2005/PC.II, apresentado por ocasião da Conferência de Exame de 2005, contém as principais propostas da NAC para o progresso em desarmamento e não proliferação de armas nucleares.


Na opinião da NAC, o Comitê Preparatório deverá tratar substantivamente do desarmamento nuclear e assegurar a apresentação de relatórios regulares por parte dos países nucleares sobre o progresso obtido, a fim de avaliar as respectivas responsabilidades pela observância dos compromissos assumidos.
Há grande preocupação na comunidade internacional sobre a próxima Conferência de Exame do TNP tendo em vista a guerra na Ucrânia e a falta de consenso para a adoção de um Documento Final nas duas mais recentes Conferências de Exame, em 2015 e 20224. Um terceiro insucesso seguido seria altamente prejudicial para a credibilidade e autoridade do Tratado.

  • Embaixador, ex-Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. Presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais. Colunista do IntLawAgendas.

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