A proposta do clube climático: um novo caminho na governança climática global?

Há atualmente um consenso científico em torno da ocorrência da mudança climática e suas consequências já se tornam perceptíveis e recorrentes. Exemplos nítidos são a inundação de áreas costeiras e eventos extremos que provocam danos na infraestrutura física existente. Apesar da crescente ocorrência destes eventos climáticos extremos, as instituições internacionais têm se mostrado incapazes de apresentar uma resposta adequada ao enfrentamento da mudança climática

Este blogpost explica inicialmente o problema identificado, que consiste nas limitações do regime climático internacional. Como contribuição aos estudos de mapeamento e sistematização da literatura sobre governança regulatória global do Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento (NDGD) da FGV Direito SP, discutir-se-ão as limitações legais do regime climático. Adicionalmente, explicar-se-á, de forma breve e concisa, a proposta do clube climático de William Nordhaus, cujos contornos constam no Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM) adotado pela União Europeia (UE), em complementariedade ao Sistema de Comércio de Emissões (Emissions Trading System – ETS). Ambos se colocam como alternativa às obrigações dos tratados internacionais universais, por oferecerem a possiblidade de precificação de carbono, atingindo bens e sanções comerciais destinadas a países não-membros do bloco europeu. 

As limitações do regime climático

O regime climático teve início com a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 1992, seguida pelo Protocolo de Quioto de 1997, que a complementou e estabeleceu uma estrutura de comando e controle legalmente vinculante.

No entanto, o Protocolo foi bastante questionado, principalmente em razão da prática contínua do free-riding, fenômeno caracterizado pela presença de Estados que se beneficiam de um bem coletivo sem que incorram nos custos de participação para a produção dele. Diante da falha identificada no Protocolo de Quioto, a partir do final da primeira década do século XXI, as negociações em torno da questão climática caminharam na direção de propostas que atribuem aos Estados significativa flexibilidade para o cumprimento de suas obrigações climáticas. Nessa linha, o Acordo de Paris concluído em 2015 reúne dispositivos que refletem essas duas vias e que atualmente caracterizam o regime climático, na medida em que é um tratado que combina contribuições determinadas nacionalmente (NDCs) com regras vinculantes negociadas internacionalmente.

Contudo, os resultados de sua implementação ainda têm se mostrado insuficientes ao enfrentamento da mudança climática. O balanço global, um procedimento conduzido pelas partes do acordo, de maneira transparente e com a participação de diversas partes interessadas, foi concluído na última COP28. Este balanço mostrou que países desenvolvidos ficaram aquém da meta de aplicar US$ 100 bilhões em financiamento em 2021. Outro resultado relevante foi o reconhecimento da necessidade de criar uma coerência entre os fluxos financeiros e os objetivos do Acordo de Paris, de forma a tornar os primeiros consistentes com as baixas emissões de gases de efeito estufa e o desenvolvimento resiliente às alterações climáticas. 

No mesmo sentido, o relatório de avaliação de 2023 do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que avalia a conexão entre ciência e mudanças climáticas, apontou que os fluxos financeiros ficaram aquém dos níveis necessários para limitar o aumento das temperaturas a menos de 2ºC tomando como base os níveis pré-industriais em todos os setores e regiões. O IPCC deixou claro que as emissões globais de gases de efeito estufa em 2030, implícitas nas NDCs e anunciadas até outubro de 2021, tornam provável que seja mais difícil limitar o aquecimento abaixo de 2°C durante o século XXI.

A construção do clube climático a partir das ideias de Nordhaus

Diante da dificuldade de refrear a mudança climática com base nos instrumentos normativos do regime climático vigente, William Nordhaus, economista estadunidense que recebeu um Nobel de economia por seus estudos sobre consequências macroeconômicas da mudança climática, propôs uma solução para o problema do free-riding, denominada “clube climático”. Conforme Nordhaus, um clube constitui um grupo voluntário que almeja benefícios mútuos por meio do compartilhamento dos custos de produção e manutenção de um bem ou serviço público. Os ganhos de um clube bem-sucedido, conforme esclarece Nordhaus no livro The Spirit of Green, são suficientemente grandes para que os associados paguem as suas quotas e cumpram as regras do clube para obter os benefícios da associação. Na questão climática, o clube constitui um acordo entre os países membros para reduzir de maneira harmonizada as emissões de gases de efeito estufa. 

O acordo com obrigações vinculantes centra-se em um preço alvo internacional do carbono, sendo que o cumprimento das obrigações dos associados pode ocorrer por qualquer mecanismo a ser escolhido pelos países, como um imposto de carbono. Além disso, um aspecto fundamental do clube é a aplicação de sanções aos não contribuintes por meio, por exemplo, de tarifas percentuais uniformes sobre importações daqueles que não participam nele. Cria-se, portanto, uma estratégia pela qual os países decidem entrar no clube e reduzir as emissões de maneira significativa em razão de uma estrutura formada por incentivos.

A presença de elementos do clube climático de Nordhaus na estrutura criada pela UE

A iniciativa europeia de precificação do carbono emitido durante a produção de bens intensivos em carbono que entram na UE conhecida como CBAM possui características condizentes com a ideia de clube climático desenvolvida por Nordhaus. O CBAM possibilita a precificação do carbono emitido na produção de bens por meio da imposição de uma sobretaxa a produtores de países terceiros. Seu objetivo é evitar o “vazamento de carbono” e complementa o ETS, que impõe um custo adicional à produção de bens com elevada intensidade de carbono, como aço e alumínio. 

O CBAM apresenta como elemento central uma obrigação, a ser cumprida pelos importadores de certos produtos previstos no regulamento, como cimento, fertilizantes, ferro e aço, de adquirir e entregar certificados CBAM correspondentes ao preço estabelecido internamente pela UE para as emissões de carbono incorporadas nesses produtos. Em seguida, os produtos importados podem entrar no mercado da UE.

A estrutura criada pela UE aproxima-se da proposta de Nordhaus ao implementar no bloco europeu um sistema com um limite de emissões a serem comercializadas, precificando as emissões de gases de efeito estufa para produtos inseridos no ETS em 59 euros por tonelada, conforme dados de 17 de março de 2024. O valor aproxima-se dos US$ 50 dólares por tonelada, que Nordhaus entendeu como o ideal e apresenta a natureza de uma medida de descarbonização que precifica as emissões de gases de efeito estufa incidente em toda a economia da UE. Outra semelhança entre os dois modelos regulatórios é a rigidez deles, uma vez que aqueles que seguem as regras do CBAM devem implementar um sistema de comércio de emissões que se aproxima daquele da UE, sem que haja a possibilidade de adotarem práticas alternativas de descarbonização.

Porém, o clube climático proposto pela UE diferencia-se daquele desenhado por Nordhaus, pois apresenta uma natureza equalizadora e não coercitiva [1]. O objetivo principal do clube climático apresentado pela UE é compensar as desvantagens competitivas incidentes nos produtores nacionais europeus e nos países participantes dele. Não se busca, portanto, solucionar um problema de ação coletiva por meio de políticas que promovam significativas reduções de emissões de gases de efeito estufa. A estrutura da UE distancia-se também do modelo de Nordhaus na medida em que alcança apenas alguns produtos intensivos em carbono.

Conclusão

As consequências da mudança climática são cada vez mais nítidas e o regime climático global tem sido capaz apenas de adotar medidas que as atenuam, de forma bastante limitada. O balanço global de 2023 e o mais recente relatório do IPCC mostraram respectivamente que poucos são os fluxos financeiros coerentes com as normas do Acordo de Paris e que as emissões de gases de efeito estufa em 2030 projetam um cenário em que o aquecimento será superior a 1,5ºC durante este século.

Este blogpost propôs-se a identificar a presença de elementos do clube climático de Nordhaus nas estruturas regulatórias da UE. O modelo idealizado apresenta como elementos essenciais a precificação de carbono incidente em bens específicos importados e sanções comerciais incidentes naqueles que não são membros, as quais podem provocar substancial redução de emissões. Estes elementos ganharam concretude na estrutura criada pela UE. Por meio da precificação de bens com alta intensidade de carbono, o CBAM, em complementariedade ao ETS, busca impedir a prática do vazamento do carbono e equalizar os agentes econômicos na medida em que os produtores da UE deixam de estar em uma condição de desvantagem competitiva caracterizada por terem de arcar com maiores custos de produção em razão da mais rigorosa regulação ambiental da UE. O modelo do clube climático europeu permite, portanto, a adoção de políticas custosas de redução emissões aplicáveis aos produtores da UE e estimula a descarbonização das atividades econômicas em outros países que, sem esse incentivo, não a implementariam.

– – –

[1]  Enquanto um clube climático equalizador busca compensar as desvantagens competitivas enfrentadas pelos produtores nacionais de seus participantes, um clube climático coercitivo é pautado em uma dicotomia entre participantes e não participantes e funciona no sentido de coagir os não participantes a nele ingressarem.

  • Doutorando pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre pela Universidade de São Paulo. Ex-pesquisador do Max Planck Institute for International, European and Regulatory Procedural Law.

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