50 Anos do tratado da Itaipu: legado de paz e prosperidade binacional

O Tratado da Itaipu, firmado entre Brasil e Paraguai em 1973, completou 50 anos no dia 26 de abril de 2023, com marcas históricas e perspectivas promissoras. O Tratado projetou a construção da usina Itaipu Binacional, que propiciou o aproveitamento hidroelétrico do desnível do Rio Paraná, entre o Salto Grande as Sete Quedas ou Salto de Guaíra e a foz do rio Iguaçu, em condomínio aos dois países, estabelecendo referências para a engenharia e para a diplomacia, com soluções jurídicas inovadoras, selando, assim, nova etapa na relação bilateral. O conjunto de negociações, atos e decisões tomadas à construção e ao longo do funcionamento da usina hidroelétrica também resultou num arcabouço legal fundado no Direito Internacional. 

A relação bilateral entre Brasil e Paraguai é quase co-originária à independência dos países. A relevância das boas relações compõe as orientações lapidares do primeiro chanceler do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) ao primeiro encarregado das relações bilaterais, Antonio Manuel Correa da Câmara (1783-1848) – orientado a “fraternizar-se sinceramente com os seus vizinhos”. (ANDRADA E SILVA, 2008, p. 13). Infelizmente, belicosa nuvem histórica envolveu os quatro países fundadores do MERCOSUL na segunda metade do século XIX, com a “maldita guerra” (DORATIOTO, 2002), cujas batalhas nomeiam espaços públicos, assim como os personagens ecoam entre heróis da pátria, com disputas de narrativas, acendendo fagulhas indesejadas, aqui e acolá. 

Demandas do desenvolvimento e submersão do litígio territorial

Fato é que um século após de findada a contenda, os países demandavam energia elétrica para acabar com os apagões frequentes e alavancar o desenvolvimento via industrialização. Além da geração de energia, o Tratado da Itaipu também é projetado para a solução de conflito territorial. Nas palavras da diplomata Maria Eduarda Paiva, em texto intitulado “Na Itaipu, o traço todo da diplomacia”: 

A Itaipu surgiu de um dissídio fronteiriço. O Tratado de Limites de 1872, bem como o instrumento complementar de 1927, gerava interpretações distintas sore como se daria a demarcação da fronteira entre Brasil e Paraguai por meio do Rio Paraná. Durante a década de 1960, o Paraguai passou a contestar a posse do Salto de Sete Quedas, cujo potencial hidrelétrico já se mostrava evidente. No intuito de solucionar a questão de maneira pacífica, foi instituído a Comissão Mista de Limites e Caracterização da fronteira Brasil-Paraguai.

PAIVA, 2018, p. 145

A disputa territorial entre Brasil e Paraguai foi solucionada em concomitância com o atendimento da demanda de produção de energia elétrica num período de industrialização do Brasil. A solução da divergência territorial ocorreu por conta do alagamento da área em disputa para a construção do reservatório, o Lago da Itaipu, tornando o litígio submerso (BARBOZA, 2020). A infraestrutura energética foi revigorada, pelo quinhão da energia brasileira e pela oportunidade criada pelo tratado de o Brasil comprar a energia não consumida pelo país vizinho – estabilizando o sistema elétrico brasileiro e gerando recursos financeiros para o desenvolvimento paraguaio.

O embaixador Mário Gibson Barboza (1918-2007) narra o processo de negociação em sua biografia (Na diplomacia, o traço todo da vida), no capítulo “Paraguai: litígio submerso”. Por conta do posto de Embaixador do Brasil em Assunção, foi encarregado de negociar, sem possibilidade de ceder território. A anuência do chanceler paraguaio para a oportunidade do empreendimento hidroelétrico gerou a Comissão Binacional Conjunta sobre a viabilidade do megaprojeto. Foi na Terra das Cataratas que em 1966 ambos os países formalizaram o entendimento. A Ata do Iguaçu de 22 de junho de 1966 foi assinada em Foz do Iguaçu e contou com a participação ilustre do diplomata da Divisão de Fronteiras do MRE, e escritor brasileiro, João Guimarães Rosa (1908-1967), autor do “Grande Sertão: Veredas”. No ano seguinte a Comissão mista foi criada para implementar a ata e os estudos de viabilidade e projetos da obra tiveram início.

A Argentina também levantou objeções importantes à construção da Itaipu, buscando afirmar na Assembleia Geral da ONU o princípio da consulta prévia com efeito suspensivo, capaz de inviabilizar a usina caso não houvesse consentimento do país contíguo. O conflito foi solucionado, no marco das questões atinentes à cooperação entre os Estados ao meio ambiente, com a aprovação pela AGNU da resolução 2.995/27, proposta pelos três países afirmando o princípio da informação prévia

O Direito Internacional da Itaipu Binacional

Aos 26 dias de abril de 1973, no auge da crise do petróleo e das fontes de energia, o Tratado da Itaipu foi firmado, estabelecendo as bases das relações bilaterais entre Brasil e Paraguai que se dariam no porvir. O tratado cria a entidade binacional e estabelece igualdade de direitos e obrigações entre as partes (artigo III), assim como um sistema decisório equitativo e consensual. A energia gerada é compartilhada em partes iguais. Foram necessários anexos para o detalhamento das bases técnicas, o estatuto da Itaipu (Anexo A), obras e instalações (Anexo B) e bases financeiras (Anexo C). Outra fonte importante de entendimento bilateral são as notas reversais.

A fonte de Direito Internacional antecedente ao tratado de 1973 é o Tratado da Bacia do Prata de 1969 sobre preservação do meio ambiente e uso racional das águas da bacia que caracteriza a história e o presente das regiões por ela banhadas. O Rio Paraná, onde se situa a usina, é artéria principal da Bacia do Prata, que representou para povos originários e colonizadores um canal estratégico para navegação e fonte de riqueza, vida e integração (SCHALLEMBERBER, 1997), até os dias que seguem. Cabe destacar a convergência do Tratado de 1969 com a Nota Reversal de 2005, que ampliou a responsabilidade social e ambiental da Itaipu Binacional como “componente permanente na atividade de geração de energia”, abrindo caminho para diversas ações transformadoras do território do seu entorno. 

Há inovações no que tange ao Direito Internacional. A pessoa jurídica criada pelo Tratado da Itaipu é empresa binacional para aproveitamento hidroelétrico do “rio em condomínio entre os dois países”. O “território de Itaipu” é área sui generis, condominial, internacional e transfronteiriça, não sujeita ao Direito Interno – resultado de entendimentos construídos ao longo de décadas e pareceres de juristas ilustres como Miguel Reale, Paulo Frontini, Celso Antônio Bandeira de Mello e Eros Roberto Grau (ITAIPU BINACIONAL, 2004). 

A constituição “condominial” da pessoa jurídica é sui generis – empresa binacional constituída por tratado. A empresa é regida pelas normas do tratado, portanto de Direito Internacional, e, simultaneamente, afirma também que aplicar-se-á a legislação do Brasil ou do Paraguai e terão foro Brasília ou Assunção para questões relativas às pessoas físicas e jurídicas dos respectivos países em casos civis, trabalhistas e previdenciários por “reenvio” (artigo XIX, conforme ITAIPU BINACIONAL, 2004, p. 89-91).

Linha do Tempo dos Atos Oficinais da Itaipu Binacional (2005)

Atos Preparatórios

22/06/1966 – Ata de Iguaçu: Brasil-Paraguai

12/02/1967 – Criação da Comissão Mista Técnica Brasileiro-Paraguaia 

10/04/1970 – Convênio de Cooperação entre a Comissão Mista Técnica Brasileiro-Paraguaia com Eletrobrás e Ande para estudo conjunto do trecho do Rio Paraná (entre Salto Grande das Sete Quedas e a foz do rio Iguaçu)

03/06/1971 – Declaração de Assunção sobre o Aproveitamento de Rios Internacionais

Atos constitutivos

26/04/1973 – Declaração Conjunta Brasil-Paraguai

26/04/1973 – Tratado de Itaipu, incluindo Anexo A (estatuto da ITAIPU), Anexo B (Descrição das Instalações Destinadas à Produção de Energia Elétrica e das Obras Auxiliares) e Anexo C (Bases Financeiras e de Prestação de Serviços de Eletricidade da ITAIPU). 

23/05/1973 – Aprovação pelo Decreto Legislativo nº 23 do Congresso Nacional do Brasil.

11/07/1973 – Lei 389 da República do Paraguai de aprovação do Tratado da Itaipu.

28/08/1973 – Promulgação do Decreto 72.707.

A realização da missão institucional

Passados 50 anos, cabe afirmar que houve preservação e ampliação da missão institucional. A energia produzida pelas vinte turbinas da Itaipu Binacional há 39 anos (desde 5 de maio de 1984) foi suficiente para abastecer o planeta terra por 42 dias o Brasil por 5 anos e 11 meses ou o Paraguai por 146 anos. Foram gerados mais de 2,9 bilhões de megawatts-hora (MWh) acumulados. No ano de 2023 a Itaipu participou com 9,5% da energia do primeiro trimestre no Brasil e 90,1% do mercado paraguaio (GDIA, 2023, p. 04). 

A Itaipu Binacional gerou mais que energia elétrica, como milhares de empregos diretos nas últimas décadas e o fortalecimento da presença dos Estados fronteiriços em regiões críticas à segurança, em variadas dimensões, incluindo a humana. A expressão consciente de ator de relações internacionais pode ser percebida pelos aportes à realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (conforme relatório sobre ODS), com agendas ambientais e sociais relevantes, e, sobretudo, ativo estruturante à integração Brasil-Paraguai. Programas fomentados pela Itaipu apoiaram o desenvolvimento territorial e educação ambiental, como a formação de jovens, a preservação das nascentes dos rios (Cultivando Água Boa), a viabilidade econômica da reciclagem de resíduos sólidos e a qualidade de vida das trabalhadoras/catadoras, sendo seu território considerado Reserva da Biosfera pela UNESCO em 2019, dentre outros logros.

No campo da integração os frutos são emblemáticos. Após 1966 a Itaipu passou a ser o centro das relações bilaterais, em negociações permanentes, mas também com ações de integração continuadas, como o suporte ao GT-Saúde para cooperação no setor sanitário bilateral, apoio à fundação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) em área doada pela Itaipu, obras de infraestrutura para conexão física bilateral pagas integralmente com recursos da Itaipu, como a nova ponte que liga Foz do Iguaçu ao Paraguai.

A usina pagou inclusive seu custo de construção. Concluído o pagamento da dívida da obra, 65,5 bilhões de dólares,  em fevereiro de 2023, dois terços do custo deixariam de existir. O Anexo C do Tratado da Itaipu estabelece no artigo VI revisão “após o decurso de um prazo de cinquenta anos a partir da entrada em vigor do Tratado” – oportunidade estratégica de novas negociações.  

A Itaipu Binacional forltalece o reconhecimento enquanto “modelo avançado de cooperação internacional na Bacia do Prata” (BETIOL, 2008). O processo de negociação que conduziu ao êxito do Tratado de Itaipu é a expressão da consolidação da paz e da disposição de ambos os países criarem relação bilateral, pautado pela cooperação para o desenvolvimento, marchando a passos firmes para a integração. A missão socioambiental expande de modo simbólico e substancial a intervenção da empresa no território de ambos os países, num círculo virtuoso de ações que a cooperação e integração internacional propiciam… quando o Direito Internacional oferece suporte e segurança. 

REFERÊNCIAS

ANDRADA E SILVA, José Bonifácio. Despacho. 30 maio 1822. AHI 267/03/14. Instruções de José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, a Antônio Manuel Correa da Câmara, agente comercial e político no Rio da Prata. In: Franco, Alvaro da Costa (ed.). Cadernos do CHDD. Ano 7. N. 12. Brasília: FUNAG, 2008.

BARBOZA, Mario Gibson. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. 4. Ed. Brasília: FUNAG, 2020. 

BETIOL, Laércio F.. Itaipu: Modelo Avançado de Cooperação na Bacia do Prata. 2. Ed. São Paulo: FGV, 2008.

GDIA (O jornal diário de Foz do Iguaçu e Região). Itaipu Comemora 39 anos de geração com excelente desempenho e se prepara para o futuro. Foz do Iguaçu, edição conjugada, 6 a 8 de maio de 2023, p. 04.

DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

ITAIPU BINACIONAL. Atos Oficiais da ITAIPU Binacional. Curitiba: ITAIPU Binacional, 2005.

ITAIPU BINACIONAL (Diretoria Jurídica). Natureza Jurídica da ITAIPU. Curitiba: ITAIPU Binacional, 2004.

PAIVA, Maria Eduarda. Na Itaipu, o traço todo da diplomacia. Juca: diplomacia e Humanidades. Instituto Rio Branco. No. 10. 2018. p. 144-151.

SCHALLEMBERGER, Erneldo. A Integração do Prata no Sistema Colonial: colonialismo interno e missões jesuíticas do guairá. Toledo: Toledo, 1997.

CONTEÚDOS RELACIONADOS / RELATED CONTENT:

Compartilhe / Share:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter