Readmissão e Recompensas

Reflexões sobre o impacto da OC-26/20 na implementação da CADH

A Opinião Consultiva 26/20 da Corte Interamericana de Direitos Humanos versou sobre os efeitos da denúncia da Convenção Americana e do Pacto de Bogotá. Para além dessas questões, já debatidas neste blog e em outros espaços, é interessante notar o quase silêncio da Corte no que diz respeito aos critérios para readmissão de um Estado que denuncia um tratado de direitos humanos. Pronunciar-se a esse respeito potencialmente traria maior claridade sobre os mecanismos que o sistema interamericano possui para assegurar a efetividade de direitos humanos.

A despeito da opinião discorrer amplamente sobre determinados critérios procedimentais para a denúncia da CADH e do Pacto de Bogotá, a única menção feita à readmissão de um Estado está na parte sobre as garantias coletivas que outros Estados devem prestar àqueles que denunciam convenções de direitos humanos. Assim, a CtIDH determinou que:

(…) A garantia coletiva implica um dever dos Estados de atuar conjuntamente e cooperar para (…) realizar os esforços diplomáticos bilaterais e multilaterais, assim como exercer seus bons ofícios de forma pacífica, para que aqueles Estados que hajam efetivado sua retirada da OEA voltem a incorporar-se no sistema regional [1]

Não obstante, o próprio conteúdo e natureza das garantias coletivas não foi claramente determinado pela Corte. Assim, não é possível saber até que ponto Estados membros ficam legalmente obrigados a adotar esforços diplomáticos, e qual seria o limiar de ações necessárias para se considerar que tais obrigações foram cumpridas.

O silêncio da Corte sobre a readmissão de um Estado que denunciou a Convenção deixa, portanto, várias questões em aberto. Por exemplo, bastaria a declaração de um chefe de Estado e a notificação ao secretário-geral do termo de adesão como prevê o art. 74, procedimento previsto para a entrada na Convenção? Ou pelo contrário, seria necessário um processo similar à denúncia, exigindo o cumprimento de normas internas e sob um processo democrático e transparente? A readmissão poderia retroagir sobre o período no qual a denúncia perdurou? Mesmo nos casos em que essa se deu de “boa-fé”?

Dada a maneira como a Corte interpreta a sua própria função consultiva, seria plausível que a questão da readmissão fosse endereçada na mesma opinião. A questão posta pela Colômbia a respeito das obrigações remanescentes a outros Estados da OEA não contemplava todas as hipóteses de denúncia da convenção, mas somente aquelas realizadas em um quadro de violações graves e sistemáticas de direitos humanos. Portanto, a decisão da Corte de expandir a questão para todas as hipóteses de denúncia também poderia se estender às questões de readmissão, visto o paralelismo que a Corte identifica entre adesão e denúncia [2], assim como a existência de um interesse multilateral em esclarecer a natureza e alcance de procedimentos que visem expandir a proteção de direitos humanos no hemisfério.

No mérito, a discussão sobre os critérios para readmissão de um Estado à CADH apresenta dificuldades. Apesar de ser desejável que o máximo número possível de Estados ratifique a Convenção, é igualmente necessário que o mecanismo de adesão e denúncia não se torne uma “porta giratória” para Estados que queiram ou não se associar com o sistema interamericano a depender do clima político. Da mesma maneira, é importante que a Corte mantenha a coerência judicial. Adotar critérios diferentes para a denúncia e adesão da Convenção pode diminuir a percepção de legitimidade da Corte pelos Estados. [3]

Neste post, me restrinjo ao potencial efeito que a clarificação sobre os critérios de readmissão poderia ter sobre a legitimidade da CIDH. Como Lixinski notou recentemente em seus comentários à OC-26/20, esta opinião demonstra uma disposição da Corte para reconhecer o papel dos Estados na implementação da Convenção. Em uma direção semelhante, trabalhos recentes sobre a implementação de direitos humanos e direito internacional têm apontado para a importância de mecanismos de recompensa para sua efetividade. Recompensas são “melhoras na posição de determinado ente relativas à uma base de expectativas” [4]. Assim, em situações nas quais a expectativa para a reputação de um Estado no cumprimento de normas de direitos humanos é baixa devido, entre outros elementos, à denúncia de convenções de direitos humanos, a readmissão pode ser uma recompensa.

Em determinadas circunstâncias, recompensas podem ter um efeito mais positivo que punições na proteção de direitos humanos. Isto ocorre sobretudo quando o foco em punições é tamanho que se cria uma “espiral de violações”, pois há a crença de que nenhuma das partes está cumprindo o acordo. Igualmente, a falha em reconhecer avanços progressivos, ainda quando a situação é imperfeita, pode gerar desconfiança dos Estados e perda na legitimidade de instituições internacionais.

No entanto, recompensas não são uma panaceia. Elas podem ter o efeito adverso de incentivar comportamentos negativos para depois obtê-las. Por exemplo, recompensar Estados incondicionalmente pelo reingresso em convenções de direitos humanos poderia levar à situação em que Estados denunciam convenções sob certos governos e imediatamente retornam sob outros sem consequência reputacional. Tal situação seria particularmente problemática no contexto latino-americano e levaria à perda de legitimidade da CADH como um instrumento de estabilidade e realização progressiva de direitos humanos.

Em sua opinião consultiva, a Corte Interamericana manteve o foco estritamente sobre as obrigações dos Estados remanescentes após a denúncia de convenções de direitos humanos. Em muitos aspectos, a Corte se concentra na possibilidade de responsabilização internacional no caso de violação das obrigações remanescentes. A Corte vai inclusive um passo além para determinar obrigações incumbentes aos Estados que permanecem nas convenções em relação ao monitoramento e implementação das obrigações remanescentes dos denunciantes.

No entanto, apesar de apresentada a oportunidade, a Corte largamente permanece em silêncio sobre a readmissão, um possível mecanismo de recompensa para Estados dispostos a implementar a CADH. Isso pode ser possivelmente interpretado como um foco excessivo em mecanismos de punição por violações de direitos humanos, podendo gerar uma “espiral de violações” e perda na percepção de legitimidade da própria Corte. Abrir o escopo da opinião para comentar mais contundentemente sobre os critérios de readmissão poderia, portanto, oferecer um contrapeso a este foco.

Retornando às perguntas feitas acima, a Corte poderia respondê-las de uma maneira estrita, entendendo que a readmissão deve ser feita pelo mesmo processo da denúncia e não afeta as obrigações entre a eficácia da denúncia e a nova adesão. Da mesma forma, poderia interpretar, de maneira mais liberal, que em casos em que a denúncia não cumpre os requisitos de boa-fé da Convenção de Viena (ex: denúncia em cenários de violações graves e sistemáticas), as obrigações se mantêm no ínterim entre a denúncia e a readmissão. A Corte também poderia verificar se o procedimento para readmissão necessitaria também um debate público e transparente, com base no que identifica como “paralelismo de formas”, ou se este processo pode ser abreviado em virtude da readmissão oferecer maior grau de proteção às pessoas sob a jurisdição daquele Estado.

O esclarecimento a respeito desses critérios abriria portas para o reingresso de países que denunciaram a CADH, como Venezuela e Trinidad y Tobago. Apesar de não parecer haver razões políticas para que estes países reingressem no momento, esclarecer se há ou não uma “via rápida” para reingresso na Convenção pode ser atraente para futuros governos que pretendam impulsionar a percepção internacional destes países em relação a Direitos Humanos.

Em quaisquer dos casos, seria interessante se a Corte considerasse balancear-se entre “estratégia” e “prudência” [5] e cuidadosamente analisar as vantagens e desvantagens da hipótese estrita e liberal para a readmissão de Estados que denunciaram a CADH. Porém, qualquer fosse a interpretação da Corte, o esclarecimento a respeito da readmissão representaria um foco nos mecanismos de recompensa para a implementação de direitos humanos, impulsionando a legitimidade e eficácia do SIDH.

[1] Para. 173

[2] Para. 64

[3] LIMA, L. C.; FELIPPE, L. M. . A expansão da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos através de opiniões consultivas. ANUARIO MEXICANO DE DERECHO INTERNACIONAL, v. 21, p. 125-166, 2021.

[4] VAN AAKEN, A.; SINSKEK, B. Rewarding in International Law. AMERICAN JOURNAL OF INTERNATIONAL LAW, v. 115, p. 195-241

[5] BAILLIET, C. M. . The Strategic Prudence of the Inter-American Court of Human Rights – Rejection of Requests for an Advisory Opinion. REVISTA DE DIREITO INTERNATIONAL, v. 15 (1), p. 255-277, 2018.

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