Políticas Protecionistas Digitais e Seus Impactos no Comércio Exterior

Nos últimos anos, o crescimento acelerado da economia digital tem gerado novos desafios para os mercados, e os mercados globais têm, a um só tempo, se beneficiado e enfrentado problemas.

 Com a ascensão de grandes empresas tecnológicas e a dependência crescente dos serviços digitais, bem como a ascensão de governos mais alinhados a políticas nacionalistas, muitos países adotaram políticas protecionistas digitais para defender seus interesses e sua soberania. É o caso, por exemplo, da China, cujos habitantes não podem ter acesso às plataformas fornecidas pela americana Meta ou à rede social X. Logo após a eleição de Donald Trump, também passamos pela possibilidade de proibição da plataforma chinesa Tik Tok em território americano, imbróglio que foi solucionado, aliás, com a intervenção direta do agora Presidente dos Estados Unidos.

Assim, estamos diante de uma nova forma de protecionismo: o protecionismo digital. Trata-se, assim, da adoção de política que conta com uma série de medidas que visam proteger dados e infraestrutura de tecnologia dentro de um país. Tais medidas incluem regulamentação de tecnologia e dados, restrições a investimentos estrangeiros e exigências de localização de servidores. Vamos, assim, elencar as principais formas de protecionismo digital e seus impactos no comércio exterior.

Diferente do protecionismo tradicional, que se baseia em tarifas e cotas, o protecionismo digital utiliza regulamentações, restrições tecnológicas e incentivos legais e econômicos para favorecer empresas nacionais e reduzir a dependência de serviços estrangeiros. 

Uma outra forma, para além da já citada proibição de operação de empresas de tecnologia em determinados territórios, de se promover o protecionismo digital pode ser realizada via regulação de dados. O Regulamento Geral sobre Proteção de Dados da União Europeia (RGPD ou, mais comumente utilizada a sigla para o inglês, GDPR), a título de exemplo, muito embora não exija Data Centers localizados em território europeu, impõe condições bastante rígidas para que dados de cidadãos europeus sejam tratados fora da Europa – critérios que, inclusive, contam com  uso de cláusulas contratuais padrão aprovadas pela Comissão Europeia, a adesão a esquemas de certificação aprovados, ou a existência de decisões de adequação que reconheçam o nível de proteção de dados em um país terceiro como adequado.

Em se tratando de Comércio Exterior, vale trazer que os impactos do protecionismo digital são múltiplos e influenciam significativamente as dinâmicas comerciais globais. 

Uma das principais consequências é a restrição ao fluxo internacional de dados, decorrente de regulamentação como o citado GDPR, dificultando o comércio eletrônico e a colaboração entre empresas de diferentes países. Essa limitação pode elevar os custos operacionais das companhias que dependem do intercâmbio de dados transfronteiriços e comprometer a eficiência das cadeias de suprimentos globais.  A título de exemplo, vale fazermos um exercício imaginativo: por exemplo, uma empresa de tecnologia sediada nos EUA que oferece serviços de análise de dados para clientes europeus pode enfrentar obstáculos para acessar informações de seus clientes caso não atenda a requisitos específicos, como cláusulas contratuais padrão contratuais. Do mesmo modo, uma loja virtual que atende consumidores na Europa, mas que sirva somente como plataforma, pode ter dificuldades para compartilhar dados com fornecedores localizados em países que não cumprem os padrões exigidos, de maneira com que ficaria inviabilizada uma venda que necessitasse de envio direto do fornecedor ao consumidor final, tornando processos logísticos mais lentos e onerosos. Essas restrições podem levar empresas a estabelecer infraestruturas locais em diferentes mercados, ou mesmo que façam arranjos contratuais envolvendo terceiros locais, aumentando custos operacionais e reduzindo a eficiência do comércio digital global.

Outro desafio decorrente do protecionismo digital é a incerteza regulatória, pois diferentes nações adotam normas divergentes sobre o tratamento e a transferência de dados. Essa falta de padronização pode desencorajar investimentos e dificultar a expansão de negócios para novos mercados. No que tange à ora em andamento regulação de Inteligência Artificial, um dos principais pontos debatidos pelos parlamentares brasileiros e que tem sido realizado esforço para endereçá-lo é de que justamente o Brasil não pode trazer legislações que são restritas demais, visto que uma legislação demasiadamente protetiva pode tolher a possibilidade de inserção do nosso país no mercado global de IA. 

Além disso, o protecionismo digital pode levar a retaliações comerciais por parte de outros países, o que aumenta os custos globais do comércio e reduz a eficiência das cadeias de suprimentos internacionais. Pequenas e médias empresas (PMEs) são particularmente afetadas por esse cenário, uma vez que enfrentam dificuldades adicionais para cumprir regulamentações complexas e variadas, limitando sua competitividade no comércio exterior. Por fim, a fragmentação dos padrões de segurança cibernética pode gerar vulnerabilidades em sistemas isolados, tornando-os mais suscetíveis a ataques cibernéticos e comprometendo a proteção de dados sensíveis.

Além dos desafios mencionados, o protecionismo digital também exerce um impacto significativo sobre a inovação. Ao criar barreiras para a entrada de empresas estrangeiras, restringe o acesso a novas tecnologias e práticas empresariais avançadas, limitando o intercâmbio de conhecimento e dificultando a adoção de soluções inovadoras. Isso pode resultar em um ambiente menos dinâmico, no qual empresas locais, sem a pressão da concorrência internacional, tornam-se menos incentivadas a investir em pesquisa e desenvolvimento. 

No longo prazo, essa limitação pode comprometer a competitividade das indústrias nacionais, dificultando sua capacidade de acompanhar avanços tecnológicos globais e reduzindo a oferta de produtos e serviços inovadores para consumidores e empresas. Além disso, a falta de exposição a padrões internacionais pode levar à criação de tecnologias incompatíveis com o mercado global, tornando mais difícil a inserção dessas empresas em cadeias produtivas internacionais. 

Assim, embora o protecionismo digital possa parecer uma estratégia eficaz para fortalecer o setor tecnológico doméstico, ele pode acabar resultando em um atraso na modernização e na competitividade das empresas no cenário internacional.

Vale dizer, no entanto, que a utilização de regulamento para promover barreiras ao desenvolvimento tecnológico e trocas comerciais vindas a partir da tecnologia, no entanto, não significa que seja benéfica uma ausência de regulação. 

A própria OMC defende que os governos devem estabelecer uma estrutura regulatória nacional para atingir metas legítimas de política pública, como a proteção dos consumidores, a segurança cibernética e a privacidade de dados. No entanto, alerta que, diante da competição comercial estratégica, é essencial evitar distorções excessivas no comércio.

Considerações Finais

O protecionismo digital é uma realidade crescente no cenário do comércio exterior, trazendo desafios e oportunidades. Embora possa proteger setores estratégicos e fortalecer economias locais, também pode gerar barreiras ao livre comércio, inibir a inovação e desencadear retaliações comerciais. Para um equilíbrio eficaz, é fundamental que os países busquem regulamentações que protejam seus interesses sem comprometer a globalização econômica e a cooperação internacional.

Fontes:

LANCIERI, Filippo Maria. Digital protectionism? Antitrust, data protection, and the EU/US transatlantic rift. Journal of Antitrust Enforcement, v. 7, n. 1, p. 27-53, 2019.

DA SILVA, Alice Rocha; MARTINS SOARES, Filipe Rocha. Conflitos entre regulações internas relativas à internet e o direito do comércio internacional: o papel da OMC perante o sistema de computação da nuvem. Revista de Direito Internacional, v. 14, n. 1, 2017.

THORSTENSEN, Vera; REBOUCAS MOTA, Catherine. Regulatory Barriers: International Trade New Challenges. -62A Boletim Ciencias Economicas, v. 62, p. 555, 2019. 

AARONSON, Susan Ariel. What are we talking about when we talk about digital protectionism?. World Trade Review, v. 18, n. 4, p. 541-577, 2019.

  • Bacharel em Direito e Mestre e Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação pela Universidade de Brasília – UnB.

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