Guerra da Ucrânia e Sanções Econômicas

Com quase três meses de duração, a Guerra da Ucrânia ainda não parece estar próxima do fim. O conflito tem sido marcado por violações russas à integridade territorial e à soberania ucraniana, bem como aos direitos humanos. Essas flagrantes violações ao Direito Internacional Público desencadearam diversas reações do Ocidente, consubstanciadas em sanções internacionais contra Rússia, visando o enfraquecimento de sua economia como meio de afetar a produção e utilização de equipamento bélico e, consequentemente, a descontinuação das agressões em território ucraniano, além de criar desconforto político e minar o apoio de empresários e participantes do governo à invasão. Como em períodos mais recentes,  o que se tem vislumbrado neste caso é o emprego de sanções econômicas mais limitadas e direcionadas, as quais podem afetar aspectos especificamente bélicos, como por exemplo, proibições à exportação de insumos voltados à indústria militar, e, também, grupos sociais específicos, como as classes dirigentes e elites que podem se ressentir das restrições de viagens ou perda de acesso a itens de luxo, o que também acaba gerando pressão perante o governo agressor para alterações de longo prazo. A análise em tela, portanto, focar-se-á nestas sanções de cunho limitado e direcionado aplicadas por Estados Unidos e União Europeia, e trará uma reflexão sobre seus efeitos.

Apesar de as medidas aplicadas por atores como Estados Unidos e União Europeia não serem novas, essas têm como elemento inovador o retorno de sanções gerais à população de um país com o propósito de atacar suas autoridades, porém, sem levar em conta o sofrimento do povo russo. Essas sanções, de cunho econômico e financeiro, envolvem a imposição de medidas unilaterais (e não multilaterais) por Estados e blocos econômicos e se aplicam não só ao país agressor mas também aos indivíduos e entidades nacionais deste Estado, que, de alguma forma, colaboram com a agressão ou com o governo agressor e, por sua vez, se beneficiam dessas violações. Tais medidas envolvem desde o congelamento de ativos, transferências bancárias, embargos ao comércio de armas e banimentos de viagens e de ingresso no espaço aéreo em questão até a restrições ao comércio para setores específicos. 

Sanções do gênero já vinham sendo aplicadas contra a Rússia desde a anexação das Crimeia em 2014, contudo, o que muda atualmente é o grau de sua intensidade.  A UE, por exemplo, impôs sanções contra a Rússia em março de 2014, em razão da anexação ilegal da Crimeia. De início, as sanções envolviam proibições de viagens e congelamento de ativos, além do cancelamento de cúpula bilateral com a Rússia e o prosseguimento de esforços para facilitação de vistos. À época, autoridades da UE decidiram introduzir um primeiro conjunto de medidas contra 21 pessoas e entidades a eles associadas pelo seu papel em ações que ameacem a integridade territorial, soberania e independência da Ucrânia.

Em junho de 2014, tais medidas evoluíram para o banimento de importações de mercadorias originárias da Crimeia ou de Sebastopol, a menos que tivessem recebido um certificado de origem pelas autoridades ucranianas e, em julho do mesmo ano, as sanções europeias passaram a abranger também a proibição de novos investimentos europeus nos setores de infraestrutura em transportes, telecomunicações e energia e em relação à exploração de petróleo, gás e minerais. Equipamentos para os mesmos seis setores tampouco poderiam ser exportados para a Crimeia e Sebastopol, além da proibição de serviços financeiros e de seguros relacionados a essas transações. Com a falha na aplicação dos Acordos de Minsk 1 e 2, a UE reiterou diversas sanções econômicas e, até o final de 2021, essas já se aplicavam a 185 pessoas e 48 entidades. 

Em 23 de fevereiro de 2022, a UE passou a adotar novas medidas contra a Rússia em resposta à decisão russa de reconhecer a independência das áreas de Donetsk e Luhansk e da injustificada agressão militar contra a Ucrânia. Desde então já foram 5 pacotes de sanções do bloco europeu, e aguarda-se o sexto pacote ainda para maio de 2022. 

Atualmente, as medidas europeias podem ser divididas em três tipos: (i) sanções direcionadas; (ii) sanções comerciais e (iii) sanções financeiras. As sanções direcionadas são aquelas aplicadas a lista de pessoas e entidades, incluindo o próprio Vladimir Putin e diversos oligarcas russos, que são alvos do congelamento de seus bens, banimento à entrada e à livre circulação em território europeu e da proibição de transações que perpassem pela jurisdição europeia. Um dos exemplos mais chamativos foi a inclusão do oligarca Roman Abramovich, diretamente ligado ao Kremlin. Segundo a própria UE, já são 1091 indivíduos e 80 entidades sancionadas. Nesse espectro, estão incluídas também sanções contra meios de comunicação estatais russos. As atividades de radiodifusão do Sputnik e RT/Russia Today na UE, ou dirigidas à UE, foram suspensas até que cesse a agressão contra a Ucrânia e até que a Rússia e os meios de comunicação a ela associados deixem de realizar ações de desinformação e de manipulação de informações contra a UE. As sanções comerciais estão relacionadas com controle e restrição às exportações, banimento às importações e exportações e serviços relacionados, embargos no comércio de armas e exclusão em licitações internacionais. Por exemplo, houve o banimento da importação de bens originários da região do Donbass. Além disso, as restrições às exportações englobam produtos industriais, como químicos, madeira, vidro, aço, maquinário, materiais de construção, tecidos, produtos de navegação marítima, equipamentos para exploração de petróleo, bens de luxo, bens e tecnologias para refinamento e liquefação de gás e bens aeroespaciais e combustível para aeronaves. Não coincidentemente, todos esses produtos são diretamente utilizados na indústria bélica. Por fim, as sanções financeiras se referem às proibições de concessão de crédito a pessoas físicas e jurídicas, do banimento de diversos bancos russos do sistema SWIFT – lembrando que, em 2012, os EUA e a UE também decidiram penalizar o Irã, excluindo todos os bancos iranianos do sistema, o que implicou a queda de 30% das exportações do país persa-, banimento de investimentos e de serviços financeiros, incluindo depósitos. Sua aplicação afeta de forma direta o povo russo, desde oligarcas a importadores, empresários e a sociedade civil. 

No caso europeu, essas sanções devem ser aplicadas por todos os Estados da UE e nacionais europeus ou empresas incorporadas ou constituídas sob a legislação dos membros da UE, que devem cumprir com essas sanções também fora da UE, incluindo marcas estrangeiras de empresas europeias ou com dupla nacionalidade. Já as empresas estrangeiras, incluindo empresas brasileiras, devem cumprir com as sanções europeias se suas atividades tiverem alguma ligação ou perpassem o território europeu, mesmo que a Rússia seja seu destino final. Por exemplo, se em uma empresa brasileira efetua operação de compra e venda de fertilizantes com uma empresa russa e essa operação envolve pagamento via banco europeu, esses valores serão bloqueados. Ademais, países membros da UE também adotaram sanções de forma individual, como é o caso da Alemanha, que suspendeu o processo de certificação do gasoduto Nord Stream 2.

Embora as sanções aplicadas pelos EUA contra Rússia sejam similares em sua classificação e também por terem se iniciado à época da anexação da Crimeia, a principal diferença em relação às europeias é sua aplicação extraterritorial. Essas se aplicam a pessoas físicas ou jurídicas dentro ou fora do território americano, que conspirem, colaborem ou atuem diretamente com o conflito na Ucrânia, incluindo instituições financeiras que facilitem essas transações ou pessoas que promovam assistência material aos bancos, pessoas e entidades sancionados. Segundo a Executive Order 14024, de 22 de fevereiro de 2022, foram autorizadas sanções contra 83 entidades, incluindo os dois maiores bancos russos, Sberbank e VTB Bank, que não podem mais processar pagamentos através do sistema financeiro americano. Na lista, constam também mais da metade de todos os ativos bancários russos, e 13 empresas privadas e públicas essenciais para a economia da Rússia, como a Rostelecom, grande provedor de serviços digitais, e, a Alrosa, a maior empresa mineradora de diamantes do mundo. Os EUA também impuseram sanções adicionais às elites russas, parlamentares da Duma, executivos das instituições financeiras sancionadas e membros de sua família, já totalizando 400 indivíduos e entidades (por exemplo, empresas públicas do setor de defesa). Segundo o próprio Tesouro americano, essas sanções têm como objetivo impor custos imediatos e degradar futuras atividades econômicas, isolando a Rússia do comércio e das finanças internacionais, e diminuir o poder do Kremlin para projeções de poder futuras. Em março de 2022, a Executive Order 14066 passou a proibir a importação de certos produtos, como petróleo cru e derivados de petróleo, gás, carvão e seus derivados, e de novos investimentos de americanos no setor de energia russo. Já a Executive Order 14068 baniu a importação para os EUA de alguns produtos peixe, frutos do mar, bebidas alcoólicas, diamantes não industriais e bens de luxo – o que acaba afetando de alguma forma parcela de produtores russos -, além de proibir o direcionamento de dólares americanos para território russo.

Cumpre ressaltar que a eficácia das sanções econômicas impostas por esses atores tem sido objeto de debate entre a comunidade internacional. Ocorre que essas medidas nunca foram tomadas com o intuito de gerarem efeitos imediatos. Embora sejam aplicadas individualmente por cada sujeito de Direito Internacional, elas acabam formando uma frente ampla do ocidente no insulamento internacional da Rússia, o que por si só gera resultados. O primeiro deles é o redesenho da inserção da Rússia na economia global, que de uma nação razoavelmente integrada passa a ser um pária internacional. O segundo deles é a reorganização da cadeia de suprimentos global, pois, por um lado, tais sanções pressionam a Rússia a buscar outros parceiros estratégicos, intensificando, por exemplo, suas relações com a China. Por outro lado, o restante do mundo também se obriga a encontrar novas parcerias, como para o fornecimento de fertilizantes – no caso do Brasil – e energia – no caso da Europa.

Por fim, conclui-se que as sanções unilaterais passaram a incidir como forma de participação de alguns atores ocidentais no conflito, mas pelo viés econômico e não militar, de modo a pressionar pelo fim das agressões. Essas medidas têm sido reforçadas e intensificadas paulatinamente e, embora sejam tomadas com alguma concertação política entre EUA e UE (por exemplo), no fim, possuem moldes próprios, a exemplo da extraterritorialidade das sanções americanas, e se diferenciam das sanções aplicadas no passado por terem sido adotadas com grande rapidez.

  • Doutora em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Professora na FAE Centro Universitário (Curitiba-PR) e Advogada em Comércio Internacional no Magalhães e Dias Advocacia.

  • Professor de Direito do Comércio Internacional da Faculdade de Direito da USP, professor da UniCEUMA (São Luís) e da Faculdade de Direito de Sorocaba. Bolsista produtividade CNPq. Advogado. Consultor em Barral, Parente e Pinheiro Advogados.

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